quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Resposta

Ah, meu querido, se a vida fosse assim tão fácil quanto era largar-me nos teus braços e esquecer de tudo que se passa pra fora da janela...

Me desculpe por pintar os teus cenários com minhas cores, que não duraram tanto quanto a eternidade que você tanto queria, mas eu preciso que você entenda, meu amor, meu grande amor, que minha briga nunca foi contigo.

Foi com essa vida intrometida, que se joga na minha frente e implora à ser vivida. Foi com esse universo mesquinho e egoista, que se abre em promessas até perder de vista.
Eu queria uma existência sem graça, sem nada no futuro e nada no passado, onde só existisse eu e você e mais ninguém, para sempre e um pouco além. Mas a vida se fez assim, cheia de promessas que me afastam de você.

Nunca duvide do meu amor, por favor. Nunca se pergunte em que olhar, em que sorriso, em que beijo terminou minha paixão. Não foi assim que aconteceu. Não foi culpa de ninguém. Não foi você, meu amor, e não fui eu. Foi tudo que fica além.

Você fez de mim a tua eternidade, e por isso, eu serei eternamente grata. Nosso tempo, nossa vida, nosso pedaço de existencia vai sempre existir. Não é passado, não é memória. É um pedaço de felicidade que flutua no universo, lacrado por uma porta cuja fechadura só nós dois temos a chave.

Não me esqueça. Quando minhas cores se apagarem dos teus cenários, guarde contigo um pedaço da tinta descascada. Não se esqueça nunca que, por onde quer que eu ande, eu jamais pintarei outros cenários com as mesmas cores com que pintei a nossa vida.

E guardou o porta-retratos de volta na gaveta

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Três Dias

Calhou que o universo me fez dia 28 de Dezembro de 1989, uma Quinta-Feira, e eu acho que isso me definiu. Calma, calma, não é papo de boteco, me escuta.

Eu nasci para ver os três últimos dias dos anos 80. Provavelmente assisti a queda do muro de Berlin na retrospectiva da Globo, e a música mais tocada nas rádios era uma do Phil Collins, Another Day in Paradise (existe alguma sutileza aqui em referência ao fato de que eu estava pedindo para não nascer, para não entrar nesse mundo triste e complicado, e ficar só mais um dia no paraíso, mas a preguiça é maior que a inspiração, então nem vou desenvolver). Três dias antes do recomeço. Guarda isso, a gente vai usar daqui a pouco.

E uma quinta-feira. Que, vai, não é um dia hediondo como o domingo (a existência do domingo foi, recentemente, classificada oficialmente pela ONU como um crime contra a humanidade) ou a segunda, nem tão bunda quanto a terça ou a quarta. Mas não é nenhuma sexta ou sábado. É um prelúdio, a quinta. Ela começa a deixar a semana pra trás, e já ta com um pé na sexta, na diversão, no fim de semana.

Me sobraram três dias daquela semana para viver também, lá em 89, quando o ano, a década e a semana acabaram no mesmo domingo.

Três dias de vida. É um suspiro, uma puxada de ar. Eu gosto disso. Apesar da inevitável fusão do presente de natal com o de aniversário, eu gosto. Eu mudo um pouquinho antes do resto das pessoas. Me preparo antes de todo mundo, sentindo um novo ano chegando, como quem experimenta a sopa direto da panela e da sua avaliação.

Meu aniversário é uma eterna quinta-feira. Uma “quase-novidade”, um prelúdio do que está por vir. Uma versão teste do próximo ano. Passa despercebido, entre o nascimento de Cristo e do Calendário Gregoriano. E assim, sem ninguém perceber, eu ganho esse bônus. Essas 72 horas de força a mais, de preparação para ficar mais velho. Parece meio triste, mas é verdade: antes de todas as pessoas, eu me preparo para colocar um ano a mais na minha história e um a menos no meu futuro.

Sem ninguém perceber, eu já passei de ano. Em segredo, envelheço um pouco antes do mundo. Para já ir acostumando.

Feliz Natal, Feliz Ano Novo, e, especialmente, Feliz Aniversário para todo mundo que comemora aniversário com a árvore de natal montada no canto da sala.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A Fonte



Andando sozinha e despreocupada, Sophia encontrou uma fonte. Dessa antigas, de pedra branca, que cospem a água do centro em todas as direções, formando um laguinho de águas turbulentas embaixo.


A fonte estava desligada, de forma que Sophia podia ver com clareza, através das folhas secas boiando e do musgo que se agarrava as laterais, um milhão de pequenas moedas douradas, roubando para si as luzes da noite e devolvendo-as em forma de pequenos pontos de luz incrustados no fundo de mármore.


Sorrindo, Sophia deixou a mão cair na água. Com leveza, balançou para lá e para cá, desenhando pequenos círculos concêntricos na superfície. Que estranho. Todas essas moedas, todos esses pedidos. Sophia sabia que as pessoas jogavam moedas na fonte, e, de pálpebras bem apertadas, sonhavam os sonhos que queriam realidade. Os únicos pedidos que eu fiz com moeda foram na padaria, de bala, doce ou chocolate. Todos se realizaram. Sophia permitiu-se um segundo sorriso e, afundando a mão na água, buscou uma moeda ao acaso.


Você foi um filho que nunca veio. Eles tentaram, tentaram e tentaram. Tudo o que queriam era você para ocupar o quarto vazio, que, com o tempo, foi virando depósito, envelopado por um papel de parede de unicórnios descascado e velho.


Sophia jogou a moeda de volta e pescou mais uma.


Você foi uma promoção. Finalmente o reconhecimento, depois de tantos anos de luta. Merecido, merecido. Agora pode comprar seu carro novo, e, quem sabe, planejar aquela viagem para Ushuaia.


Você foi o pedido de reconciliação. Depois daquela briga boba, que de tão boba e sem importância, acabou fazendo bobo e desimportante o casamento inteiro. Que coisa.


Você foi a recuperação milagrosa da vovó.


Você foi uma viagem para Disney, você foi um videogame novo e você foi o pedido para que o papai voltasse para a casa e a mamãe parasse de chorar.


Sophia mergulhou a mão mais uma vez e escolheu outra moeda.


E você... Você eu vou usar. Acho que o universo não vai ligar se eu reciclar um pedido.


Sophia fechou bem os olhos e apertou a moeda molhada entre as mãos. Eu queria encontrar um motivo para todas as coisas. Eu queria saber por que o universo se da ao trabalho de existir, e eu queria saber de onde a gente veio e pra onde a gente vai.


Eu queria saber.


Sophia largou a moeda descuidadamente na água, e suspirou assistindo o pedacinho de metal dançando, devagar, em direção ao fundo da fonte.


Já ia levantar para ir embora quando, sem pensar duas vezes, enfiou a mão na água e resgatou a moeda antes que batesse no fundo.


E um iPhone.





Jogou a moeda de volta e deu meia volta, deixando para trás o laguinho habitado pelos desejos daqueles que desejam.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Porta-Retrato



Eu não guardo rancor, nem raiva, ele disse, olhando bem no fundo dos seus olhos. Você nunca me deu o teu ódio, de forma que eu nem saberia onde guardar. 

Não. Eu guardo só o que você me deu. As minhas memórias sem graça, que você, sem pedir licença, invadiu e melhorou. Os retratos mentais de momentos mundanos, paisagens sem cor e vazias, que, sem nem pedir por favor, você pintou por cima, com as cores vivas com que pintava tudo.
Não pense que eu estou triste, que você me machucou. Não é você que está no poder. Não cabe a ti te tirar de mim. Saia pela porta quantas vezes quiser, o barulho já não me incomoda mais. De dentro de mim, você só sai quando eu quiser. Se eu quiser.

Você não está no poder. Vai, viaja o mundo, vai embora, esquece de mim, te perde em outros abraços, ele dizia. Mas você vai continuar pra sempre aqui, até quando eu não precisar mais de ti. E isso só cabe a mim dizer.

Você me ofereceu a sua vida, e por isso, eu sou eternamente grato. Obrigado por pintar a minha vida com as tuas cores. Aqui elas ficarão, até o tempo desgastar a tinta e uma nova cor aparecer. Obrigado. 

E guardou o porta-retratos de volta na gaveta.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Bem Casado

A felicidade, diferente de Luis XIV, não é um estado. É uma condição.
Desconfie de quem fala que é feliz. Ninguém é feliz. As pessoas são bem humoradas, contentes, aventureiras, otimistas, satisfeitas, mas não são felizes. Estão felizes, nesse ou naquele momento. É o máximo que se pode dizer sobre a felicidade (além do fato de ela ser como a pluma, que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve mas tem a vida breve, blá, blá, blá, etc e tal).
A felicidade é expectativa e conquista. Não muito diferente do bem casado de festa de formatura. Você já reparou no bem casado de festa de formatura? Repare, é um estudo existencialista fenomenal.
Sempre que uma festa de formatura oferece bem casado, os convidados se transformam. O bem casado, como a guerra e a tequila, transforma as pessoas. Ninguém mais está ali para celebrar os filhos, os namorados ou os professores. Todos tem uma missão em comum: conseguir bem casados.
As pessoas vão atrás do garçom. “Opa, da licença, tudo bom? Hehe. Deixa eu pegar um aqui pra minha esposa também, ela adora.” A esposa do sujeito morreu faz doze anos. Mas não importa. Vale tudo na hora do bem casado.
Então, recapitulando: felicidade é expectativa e conquista. Você quer um bem casado. Você vai atrás do garçom, pega um bem casado.BAM. Felicidade.
A questão é: o bem casado acaba. E você tem que ir atrás de outro. E outro. E outro. E o tempo entre o fim de um bem casado e o começo de outro é a expectativa, o trabalho. Até tem felicidade aí no meio, na perspectiva do próximo bem casado, mas, no geral, esse período entre bem casados é tempo morto..
E aí você pergunta: e se eu parar de gostar de bem casado? Bom, aí entram duas coisas: primeiro que não gostar de bem casado é coisa de gente mau caráter. Segundo que é difícil. É difícil porque bem casado é uma delícia.
Mas e aí, vamos supor que você consiga. Pronto. Você não gosta mais de bem casado. O que você faz agora na formatura?
Nada. Você não faz nada. Você alcançou algo muito mais importante que a felicidade. A plenitude. A plenitude, diferente da felicidade, não é estado. É condição. Você pode ser pleno para o resto da vida. É só parar de comer bem casado.
No fundo a vida é isso: uma eterna escolha entre a plenitude e a felicidade. E, a partir do momento em que você percebe que ela (a vida) é transitória, não faz sentido se apegar. Não faz sentido se apaixonar pelo que é finito.
É por isso que a vida em busca da felicidade é sofrimento. Porque nenhuma felicidade é felicidade mesmo quando vive sob a sombra do fim. Nenhum bem casado é tão doce quando você sabe que ele vai apagar. Você se apega, se apaixona, se lambuza no bem casado, mas aí vem a crise existencial: meu deus, já são quase duas horas. Os garçons já pararam de passar. Os bens casados estão acabando! E agora?
BAM. Tristeza. Sofrimento. O bem casado só é bom porque é ruim, e só é ruim porque é bom. Se fosse sempre bom, seria plenitude. Se fosse sempre ruim, não apaixonaria, e, portanto, não traria sofrimento.
No fim das contas você não precisa parar de gostar de bem casado. O que você precisa é entender os prós e contras de se viver uma vida a procura deles ou não. Aí você pode fazer uma escolha sensata, em vez de sair por aí comendo tudo o que você vê sem parar pra pensar nas consequências.
Ou isso ou você procura a receita de um bem casado infinito. Se você encontrar, me liga. Pfvr.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Menina

Pra onde é que eu posso ir
Se nos bares da esquina
Onde a gente bebia e chorava de rir
Eu só lembro de ti, menina

O que tem pra fazer?
Se todos os filmes que eu queria ver
Eu prometi assistir com você
O que tem pra fazer sem você, menina?

Se já procurei todo restaurante, toda festa
Todo boteco, teatro e cantina
Um espaço que não seja teu, pra chamar de meu
Um lugar sem você, menina

Se no meu quarto vejo teu corpo na cama
Teu rosto no porta retrato, teu cheiro no cobertor,
No vapor do espelho tuas juras de amor

Se na minha agenda teu nome ainda é o primeiro
Tuas ultimas palavras ainda tenho guardadas
No bilhete que achei esquecido em cima do travesseiro

Que música ainda tenho pra ouvir?
Se já procurei no meu repertório inteiro
Uma valsa que eu não tenha valsado contigo primeiro

E que mulher eu vou achar agora
Entre uma e outra esquina
Se me engasga a palavra na garganta, e sempre me espanta
Que é só tu que consigo chamar de menina

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Indiferença



Ele olhava para o céu, e o céu olhava de volta.
Ele aprendeu a dar nome às estrelas, mas isso foi há muito tempo. Primeiro as que estavam mais perto, com nomes dos deuses dos antigos. Júpiter, Vênus e Mercúrio. Depois as que estavam mais longe, mas que, por algum motivo que ele não entendia quando era novo, brilhavam mais: Alderaban e Antares e Proxima Centauri.
Ele olhava para o céu, e o céu olhava de volta. Por tanto tempo dividiram juntos esse espaço de existência, ele e Júpiter e Vênus e Antares e todas as outras coisas que brilhavam. “Todo esse tempo juntos e eu ainda não te conheço”, pensou ele, triste. Havia enfrentado tanta coisa, tanto tempo, tanto, tanto tempo sozinho naquele lugar, sem ninguém nem nada para fazer, senão contar, contar, contar. Contar todas as coisas que brilham no céu.
O montinho de terra em que se equilibrava andava, girava, passeava solto. Ou pelo menos era isso que ele achava. Foi triste descobrir que só estava dando voltas no mesmo lugar. Para sempre, para sempre girando no mesmo eixo, vendo o mesmo cenário se repetindo, até o fim.
Inventou um monte de nomes. Gravidade, Eletromagnetismo, Força Fraca, Força Forte, Átomo, Buraco Negro, Neutrinos. Tentando se aproximar, tentando entender. Mas era como dar apelidos para um amante platônico. Era como tentar imaginar como pensava, agia e falava uma paixão colegial que nunca lhe deu bola.
Era estranho. Tudo o que queria era um pouco de afeto, um pouco de compreensão. Reconhecimento. “Ei! Eu estou aqui, nessa bola azul! Me perceba! Me perceba! Eu percebo você!”. Estranho que um lugar tão cheio de sistemas binários e anãs brancas e supernovas possa ser tão frio.
“E você vai continuar aqui”, pensava ele enquanto olhava para o céu, e o céu olhava de volta. “Eu cheguei, me apresentei, perguntei seu nome, te olhei de perto, me aproximei, me apaixonei, e daqui a pouco já vou embora. E você vai continuar aqui, e nem ficou sabendo de mim. Não se deu ao trabalho de ao menos me mandar calar a boca”.
Ele voltou o rosto para baixo, pronto para deixar o céu em paz. Sozinho, sempre sozinho naquele vazio. Não adiantava chutar, gritar, espernear. Mas ele queria ser reconhecido, só isso. Queria ser notado, queria provar, nem que fosse só para ele mesmo, que existia.
Soltou o graveto e caminhou para longe, deixando para trás as palavras gravadas na terra: “O ser humano esteve aqui. Aqui ele nasceu, cresceu, se alimentou, riu e chorou. Sem que ninguém percebesse ele viveu, observou, se encantou, fez perguntas e morreu. Mas ele esteve aqui”.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Facebook




Ae ganhei uma garrafaa de tequila! #obrigadoamor #euteamo #4ever
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Já passou das 22 pode beber né? Rsrs #alcoolismo
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Tem muita gente legal no meu face, e muita gente que eu não gosto também. #verdade
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@amor, adorei a tequila, é uma delícia!
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HAHAHA EU TENTEI TE MARCAR COMO @AMOR, AMOR! #burro
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Nossa, vocês já pararam pra ouvir o hino brasileiro? Tipo, ouvir meeeesmo? É lindo. #patriota
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Só tem filho da puta nesse face.
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É, na hora que a massa esquenta todo mundo quer panqueca, né? #safados #foraDilma
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@marcelo_doido NÃO DESLIGA NA MINHA CARA, FILHO DASD PUTA!! TU NÃO É BRODER! #nãoébroder
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As vezes eu penso em todis trumpfl palks bufalos. #conspiração #olhodepeixe
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Desculpa, @marcelo_doido, eu exagerei. #cuzão #patriota
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@ONU E se a gente colocasse os desempregados pra trabalhar plantando comida pra dar pros que passam fome? #solução #mundomelhor #bonovox
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@amor VOCÊ ESQUECEU DO MEU ANIVERSÁRIO! CADE MEU PRESENTE, CACHORRA? #vagaba #saidaminhavida #bochechasemclaudinho
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Vixe. #avião
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ONDE EU TO PORRA? #medo #freeshop #nessabumbaeunaoandomais
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SÉRIO ALGUÉM ME AJUDA! #aterrorizado #janelinha
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@marcelo_doido sério memo cara, me perdoa. to mto arrependido. vou te ligar. #frodoesam
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Para esse dia das bruxas, a bailarina resolveu se vestir de dona de casa.

Todo mundo saiu assustado quando viu a menina de cabelo enrolado, um olhar meio cansado, guardando o esfregão, esperando o marido chegar do bar, o telefone na orelha em uma mão, na outra uns calos e um esfregão.  

super-herói foi pro baile de executivo ressentido. Queria ter sido escultor, a faculdade levou pra outro caminho, hoje em dia é gerente que quer ser diretor, gosta muito de queijo e de vinho, dorme em lençol de linho e não chama mais a esposa de amor. 

O jogador de futebol se vestiu de menino de rua. Fingiu que não tinha gingado na perna, nem uma casa moderna e nem um bairro nobre pra ver da janela. Fingiu que a sorte nunca o tirou da favela.  

E a atriz de novela? Foi de gordinha sem amigos. Se vestiu de uma pessoa legal, sem nada de muito especial. Por dentro é um amor, mas a fantasia espanta só da aparência que tem no exterior. Fingiu que não era bonita, não tinha jeito, não falava direito. Grudou na fantasia um monte de defeito. Fingiu que não tinha o corpo perfeito. 

O namorado foi de coração colado. Ninguém sabia do término e que ela já estava com outro, um amigo da escola. Juntou durexsuper bonder e cola. Grudou o coração. Já tem uma lista de mulheres pra tentar outra paixão. Apareceu no baile vestido de superação. 

E a bruxa, o vampiro e o esqueleto estavam todos de preto. Sombrinha, terno, óculos e roupa de inverno. Um olhar sério e um andar lento, um jeito de quem já não tem tempo. De que a vida passou e sobrou o escritório e o vale-alimentação. Foram vestidos do fim das fantasias e das brincadeiras e de começo da vida adulta. Foram vestidos para folhear catálogos de decoração, não gostar de multidão e reclamar da inflação. Foram de velório da imaginação. 
Para esse dia das bruxas, a bailarina resolveu se vestir de dona de casa. Todo mundo saiu assustado quando viu a menina de cabelo enrolado, um olhar meio cansado, guardando o esfregão, esperando o marido chegar do bar, o telefone na orelha em uma mão, na outra uns calos e um esfregão.
O super-herói foi pro baile de executivo ressentido. Queria ter sido escultor, a faculdade levou pra outro caminho, hoje em dia é gerente que quer ser diretor, gosta muito de queijo e de vinho, dorme em lençol de linho e não chama mais a esposa de amor. O jogador de futebol se vestiu de menino de rua. Fingiu que não tinha gingado na perna, nem uma casa moderna e nem um bairro nobre pra ver da janela. Fingiu que a sorte nunca o tirou da favela.
E a atriz de novela? Foi de gordinha sem amigos. Se vestiu de uma pessoa legal, sem nada de muito especial. Por dentro é um amor, mas a fantasia espanta só da aparência que tem no exterior. Fingiu que não era bonita, não tinha jeito, não falava direito. Grudou na fantasia um monte de defeito. Fingiu que não tinha o corpo perfeito.
O namorado foi de coração colado. Ninguém sabia do término e que ela já estava com outro, um amigo da escola. Juntou durex, super bonder e cola. Grudou o coração. Já tem uma lista de mulheres pra tentar outra paixão. Apareceu no baile vestido de superação.
E a bruxa, o vampiro e o esqueleto estavam todos de preto. Sombrinha, terno, óculos e roupa de inverno. Um olhar sério e um andar lento, um jeito de quem já não tem tempo. De que a vida passou e sobrou o escritório e o vale-alimentação. Foram vestidos do fim das fantasias e das brincadeiras e de começo da vida adulta. Foram vestidos para folhear catálogos de decoração, não gostar de multidão e reclamar da inflação. Foram de velório da imaginação.

sábado, 26 de outubro de 2013

Temporary Insanity

A piano only has twelve notes. Every single piece of music you listen to is a variation of those twelve notes.
Stairway to Heaven and Ice Ice Baby are the same song. They're notes are in a diferent order, is all.
I wish there was an easy way to do this. I really do. A hanging, or something. Bullet through the head, maybe. Anything, really. Memory whipe will do, too.
Because it's not his face. It's not his face when he broke into my home. And it's not my daughter's face when he pulled the knife and when she fell to the floor. And it's not even my own face, reflected in the window when I turned to look at my wife, and she was already on the floor too.
It was the doctor's face, in the stand.
You see, there are several scales in music theory. Pentatonic, chromatic, blues, jazz. They all sound diferent. You know that middle eastern sound you get from some songs, like Aladdin's Arabian Nights? That's the harmonic minor scale. Really, a whole bunch of them, but in the end, they are all variations on those twelve notes.
He was sitting there, the doctor and his face, and I was sitting here, and we were across the room. Divided by an open space and a lawyer, and he was asking all this questions about Thompson's Mental Institution. It seemed like a decent enough place.
The thing about these twelve notes is that they don't all go well with each other. You put together a C, a G and an E and you get yourself a chord. It's neat, clean, it sounds good. But you add an F and you get dissonance. It sounds weird, it's not music anymore. Depending on the kind of song you want to write, a C sharp can sound lovely with a B. But you play C and C sharp together and you get the sound of a honk. Dissonant. Ugly. Wrong.
They said he wasn't recovered yet. He probably would never be. Something-schizo-something. He had no idea who he was, where we has. Escaped mental patient. Classic. Same world as we live in, completely diferent reality.
He didn't know, but I knew.
That whole year, I knew. I knew when I walked into his room, in Thompson, with some flowers and a smile. He didn't know who I was, because it wasn't him that night, with my family. Not really.
He was severely medicated.
I knew when he looked up at me, from his bed. I knew when I threw him in the trunk of my 2012 BMW. I knew when I could hear him crying, desperate, lost, his screams passing the backseat and reaching me while I drove. I always knew.
Throughout the whole nine months he spent in my basement, I knew. Deep down, everytime he would look at me. The first months he would raise his head when I opened the door, like a dog waiting for his owner. Fear. Confusion. He didn't know. But I knew.
I knew when I would hear him sing, his voice weak from starvation, from my bedroom in the second floor. Sad songs, "Sweet Molly Malone" songs he learned from his mother, long before he forgot himself.
I knew. Everything I did to him, I knew it all along. Even when he finaly gave up, his eyes too tired to remain open, his voice to weak to sing another verse of Old Mcdonald, I knew.
But it didn't hit me until the trial.
Every song is the same. You change the order of the notes and, suddendly, a perfectly good song can turn into a hideous noise. Ugly. Wrong.
It didn't hit me until Dr. Whatever-His-Name-Was declared, with all the words: Temporary Insanity.
Because I knew that I, unlike him, wasn't crazy. I knew that I was to remember. I knew that I was to share the same reality of my past.
Damn, fuck temporary insanity. Either make it forever or don't bother at all.
I knew that when they locked me in Thompson. And all I wanted was peace. A hanging, or a bullet through the head. Anything, really. Memory whipe will do.
But I can't. I can't because I knew. And now I have forgotten all about my wife and my beautiful, beautiful daughter. But I have yet to forget about the doctor's face, before I go meet them. I have yet to forget the lyrics of Sweet Molly Malone.

Diplopia

It’s called diplopia. The simultaneous perception of two images of a single object. There is only one watch, of course, but slightly to the left of where your wrist should be you seem to perceive another, slightly faded wristwatch. It’s called diplopia, and it’s usually the symptom of something else.
My wife would say that I am lazy. She is now telling me that I should see a doctor. Afterall, it’s been more than three weeks. The blurry, faded wife on the left mimics her every movement. My wife’s mouth goes up and down, and her ghostly twin copies her. It’s called diplopia, and I never wondered why was it that the faded image would keep moving it’s mouth for a little while after my wife would stop talking.
It was another week before I started noticing the second voice.
My wife would say something about omelets or SUV’s or light mayonnaise and another voice would join her, kind of in a duet. A unison. Both my wives, the real and the ghostly image, talking to me. The same voice, the same image. Duplicaded. It’s called diplopia. The simultaneous perception of two images of a single object.
And still that faded, blurry wife to the left would keep moving her mouth a little while after they both stoped talking, but no sound would come of it.
The doctor’s faded image told me it was probably from my migraines. Or diabetes. In any case, he had me take a bunch of tests. He told me the results would be ready in a week, and offered me two sets of hands for me to shake. My hand and it’s ghost sister shook them and I returned his smile. All that time with him, and I never heard that second voice this time.
It became very hard to read. Or watch TV. Anything involving the use of sight, really. Mostly, I’d spend my time listening to music. And there, in the middle of the third movement of Beethoven’s fifth, or maybe during the second solo in Comfortably Numb, I would hear them calling me. John, said both my wives, original and phantom. Come to the kitchen.
Please.That last part was only my original wife.
I rush to the kitchen, dodging both real and imaginary furniture, to find my wife holding a knife.
Oh, please don’t make me that clichê.
“Is something wrong, honey?” I would ask, slowly moving towards her.
“No, babe, why?” Said both their voices, and still I could see her faded-ghostly-reflection-totally-not-real self moving her lips to some sort of silent message I could not identify. Kind of like someone muted the TV.
“Well, you called me.” Maybe I ask, moving a little closer still.
“I did? Oh, I guess I forgot. Dinner will be ready soon. I will die.”
That was just the image. That mouthing, that lip-sync. I will die.
My wives turned their back and started chopping onion by the kitchen sink. I didn’t move.
My cellphone beeped. A new message.
My wives ghostly image, standing there, right beside the real deal. Or at least I think. They both look real, and they both look faded now. One of them drops the knife. The other one picks it up. Diplopia. It happens when both eyes are still functional but they cannot converge to target the desired object.
My wife turns to me. The one without the knife. Her eyes are red and teary. Those damn onions.
Help me.
She said that just as the other one turns around, a big smile on her face. Hope you are hungry. She says. They both look at me. They smile and they cry and they have a knife. They said they would die and they asked for help. And I love my wife.
I kiss her, the one without the knife. Because this isn’t real. This is a result of impaired function of the extraocular muscles. And that is all.
“How do you know you chose right?” We are still hugging. I’m not sure which one said that.
Help me.
I will die.
Help me.
How do you know I’m her?
I’m her.
Help me, please.
We will die.
What’s this in your hand?
Help me.
We will die. Come with us.
Honey, please, drop this.
You fucked up.
Don’t let me die.
I’m better than her.
Honey, please!
You will die.
How do you know I’m her?
Honey, don’t...
Somewhere, David Gilmour is playing his final chords in a guitar. The sound of Beethoven’s strings maybe waltz in the room, very low, echoing from my room.
My wife’s reflection is on the floor. My real wife is nowhere in sight.
Or is it the other way around?
That sound again. New message. I carefully step over her head and arms and start walking towards the music. These footprint stains will be hard to get off the carpet. Emily will probably complain when she sees it. She always makes such a big deal of everything.
Three new messages.
John, it’s doctor Harper. Call me as soon as you get this.
It’s really hard to read with these eyes.
“Hi, this is John Pitt calling for Dr. Harper. He said he needed to talk to me.”
I hate being put on hold. I wonder Who sent those other two messages. Where’s Emily?
“John? Hi, this is Dr. Harper. I’m afraid i have some bad news. I want to run some tests again just to make sure, but, unfortunatly, it appears as if you have a brain tumor located in your amygdala. It’s probably the cause of your double vision. Are you experiencing any other strange symptons lately? Hallucinations, Seizures, abnormal pulse and breathing rates, changes in sensory perceptions or changes in your personality?”
It’s called diplopia. The simultaneous perception of two images of a single object. It is usually the result of impaired function of the extraocular muscles.

Sophia e os Castelo II

Sophia percebeu que os castelos de areia que as pessoas construiam eram todos levados pelas ondas do mar. Sophia resolveu não construir um castelo. Sentou, fechou os olhos e, na sua frente, nada além de um trecho de areia intocado existiu. Quando subiu a maré, foi a única que não lamentou, porque o mar, coitado, não tinha o que levar de Sophia.

E foi assim que Sophia viveu para sempre.

O mundo é uma lasanha congelada

O mundo é uma lasanha congelada.

Eu adoro lasanha congelada. É rápido, barato, fácil de fazer e gostoso. Perfeito pra estudante, que ta sempre fazendo tudo e nada ao mesmo tempo e acaba sem tempo pra ver tudo ou fazer nada. Ou comer lasanha de forno.
Lasanha congelada de microondas. Sabe qual o problema dela? Ela é gostosa, ela quebra o galho. Mas ela não é nenhuma lasanha de forno, feita pela avó.

Não me entenda errado, se a lasanha congelada substituiu a lasanha de forno no mundo, é porque seu custo-benefício é melhor. É porque o mundo funciona melhor a base de lasanha congelada. Melhor do que funcionava com a de forno. Sou um fiel defensor da teoria de que o mundo produz e consome a melhor lasanha que é capaz. Se não temos uma lasanha melhor é porque não somos capazes de produzir uma ainda. E se não temos mais a antiga, é porque a nova é melhor. É assim que o mundo funciona.

E veja só: porque não temos mais lasanha de forno? Porque não vale a pena, não para o mundo que a gente vive. Imagine uma equação: o gosto da lasanha é X, o tempo de preparo é Y e o resultado é Z. É uma soma a equação, viu? Aí você pega o gosto e subtrai 3, mas adiciona 10 no tempo. O resultado é melhor. Z é melhor com lasanha congelada porque ganha mais na comodidade do que perde no sabor. Entendeu?

E aí tudo bem, ok, ok, a lasanha congelada só existe porque ela se sobressaiu a lasanha de forno, já aceitamos isso. E se sobressaiu porque nós preferimos. E nós preferimos porque nós mudamos nosso estilo de vida, de forma que não temos mais tempo para lasanha de forno. Mas fomos nós que decidimos mudar nosso estilo de vida, nós que concluimos que vale mais a pena comer uma lasanha rápida e menos gostosa do que esperar a lasanha de forno ficar pronta. Se ta aí é porque tem que estar, é porque funciona.

Mas as vezes da saudade da lasanha de forno. Acho que é isso que eu quis dizer com essa receita toda. A gente prefere a de microondas, a gente prefere comer andando, garfando comida de uma caixa colorida de papelão, a caminho do trabalho, da balada, da faculdade. A gente prefere o sabor encaixotado e padronizado, o prazer rápido embalado a vácuo e cheio de conservantes. Mas a gente olha pra trás as vezes, e lembra do cheiro da lasanha de forno. Lembra de sentar na mesa, jogar conversa fora, tomar um vinho, esperar a vida passar devagar enquanto a lasanha fica pronta, sem checar atualização de Facebook no celular. A gente lembra de não precisar  mostrar a foto da lasanha com filtro de foto antiga pros amigos. E da uma saudade, daquilo que ficou obsoleto, que não vale mais a pena. Daquilo que ficou no ferro velho do mundo: nossas lasanhas de forno, nossos filmes com menos efeitos especiais e mais roteiro, nosso Pogobol, nosso Genius, nosso Pense Bem. A gente sente falta de folhear o livreto que vinha com o CD, de ver a capa do vinil na loja. A gente sente falta do que não vale mais a pena. A gente sente falta.