sábado, 11 de dezembro de 2010

Boa Noite, Narciso


...e ele escreveu seu nome e, de repente, ela era real. Tinha nome, sobrenome, história, um rosto, um corpo e uma personalidade. Tão real quanto sua mulher, suas antigas namoradas. E era só dele.
“Diga que me ama” E ela dizia, a tinta contra o papel branco gritando: “Eu te amo.” De novo. “Eu te amo.” De novo. E de novo, e de novo.
“Eu quero o amor real. O amor puro, o amor dos livros e das poesias. E ele não existe. Mas você existe. Você entende, não entende?” E ela entendia.
“Eu odeio minha vida. Você é tudo que eu tenho.”
Dia após dia, eles tinham um encontro marcado. Depois que a casa inteira dormia ele ia para frente da maquina de escrever e ela estava esperando. Sempre. E dizia tudo que ele queria ouvir.
“Ela já não me ama. Meus filhos nem querem saber de mim. Mas você continua aqui. Porque você não vai embora?”
“Porque eu preciso de você, sem você eu não sou nada. Não sou ninguém. Sem você eu não falo, eu não sinto, eu não penso.”
Nunca tinha amado ninguém como amava aquela mulher. Aquela deusa.
“Qual o sentido da vida? Porque eu acordo para ir trabalhar todos os dias? O amor existe? Será que só eu me pergunto essas coisas?”
“Eu me pergunto também. Eu entendo você. Eu não acho respostas senão em você.”
“Diga que me ama. Eu te amo. Você me ama?”
“Amo. Eu sempre vou te amar.”
Nunca brigavam. Nunca. Nunca tiveram uma opinião contraria. Sempre concordavam em tudo. Ele sempre sabia o que ela iria dizer, era seguro, confortável, agradável. Ela via nele todas aquelas qualidades que ninguém mais via. Nem sua mulher, nem ninguém.
“Você tem olhos lindos, sabia, querido?”
“Tenho?”
“Tem. E uma criatividade maravilhosa, que nunca foi bem compreendida.”
“Eu te amo. Diz que me ama.”
“Eu te amo.”
“De novo.”
“Eu te amo.”
“De novo. De novo. De novo.”
Três horas da manhã e ele ali, sentado na maquina, conversando com ela.
“Que barulho foi esse?”
“Não sei, acho que minha mulher acordou. Vou dormir. Amanhã, mesmo horário?”
“Estarei esperando.”
“Boa noite, Linda.”
“Boa noite, Narciso.”

Entre Gênios e Loucos

Existe uma linha tênue entre a genialidade e a loucura. É verdade.
Existe uma linha, bem definida desta vez, entre o louco gênio, o louco que quer ser gênio e o que não é nenhum dos dois, mas insinua-se ora como uma coisa, ora como outra.
A genialidade não justifica a loucura, apenas a consola. Os que buscam consolo para a própria loucura numa inexistente genialidade esquecem que loucos podem não ser gênios, mas gênios sempre serão loucos. Mas a loucura carrega consigo um peso, dentro da sua própria leveza (Kundera, meu amor), e os loucos que não são gênios vasculham e vasculham dentro de suas mentes em busca de traços de uma genialidade que ajude-os a carregar essa insustentável leveza (perdão, Kundera, perdão) e, quando não a encontram, emulam esta e tentam exalar um ar de genialidade ao redor, para que o mundo inteiro suspire aliviado e perdoe suas loucuras.
E, claro, tem os que não são uma coisa nem outra, mas aspiram ser os dois. É que o louco gênio, visto de longe, é sensual. É erótico, apaixonante, um exemplo a ser seguido. Só os loucos entendem o horror de ser louco. O são aspira ser louco porque nunca o foi. E o louco, secretamente, sonha em ser são.
Mas o louco gênio não troca sua loucura. Ele odeia sua loucura, mas sabe que ela está terrível e irremediavelmente atrelada a sua genialidade. Um abraço eterno, imutável. E, por ter nascido louco e gênio, ele se agarra a toda aquela genialidade que tira o peso da loucura, e aquilo define tudo que faz sua vida valer a pena. Se não for mais louco, não precisa mais ser gênio, mas, de tanto que foi louco, se não for mais gênio, não sabe mais ser ninguém.
E assim, numa espiral de loucura e genialidade, vivem todos aqueles que conseguem fazer aquilo que os faz loucos e gênios, que afasta a sanidade e a mediocridade: ver o mundo de fora. Como um extraterrestre. Como Deus. Como Gênio. Como Louco. Como Nós.