segunda-feira, 29 de abril de 2013

Dia a Dia



Teve a Soraia, que cansou do marido falando no escritório e na vaga que abriu na direção e foi correr na praia, pensando nas crianças e na separação.
E cruzou com o Matias, que perdeu a namorada e resolveu se matar. Foi de roupa e tudo pra dentro do mar, e só depois lembrou que sabia nadar. Voltou pra casa desolado, esperando o jantar.
No caminho, trombou com a Tina, que ouvia da mãe no celular “Vê se casa logo, menina” e tirava moeda da carteira fina pra entregar pro seu Horacio, que dormia na esquina.
O seu Horacio, por sinal, era jogador profissional, jogou no Atlético e no Blumenau, mas não era muito bom de bola. Pendurou a chuteira e acabou pedindo esmola.
Com o troco da moça, foi buscar um salgado ali na padaria do lado. Pediu pro Ismael, que só saia de casa de chapéu, ninguém sabia o porquê.
Ele não revela pra ninguém, mas que vergonha também! Aí do seu Ismael se a dona Zezeca, que compra sempre um pão de queijo no caminho da loteca, descobre a sua careca.
Por falar em pão de queijo, quem veio de Minas pra São Paulo foi a Zuzu, pronta pra estudar. Era meio burra, não passou no vestibular. Acabou que casou com um professor de física, e, você vê, não entende nada dos livros que ele lê, mas acha tão bonito essa coisa do marido estudar o infinito...
Toda sexta, vai as compras com a Rita, que não anda muito bem. Mas também! Seu marido, logo o Doutor Andrada,que parecia gente muito fina, largou tudo pra morar com uma bailarina, e hoje vive rindo à toa.
A Rita não sabe, mas o sorriso às vezes mente. O Andrada até parece bem de vida, mas gostava cada vez mais da bebida do fim do expediente. E não aguenta mais Tchaikovsky.
Por falar em Tchaikovsky, sabia que ele vivia deprimido? Nunca achou nada que rimasse com seu nome. 
Pra quem procura inspiração, basta olhar em volta. O dia-a-dia dispensa imaginação.
Né não?

terça-feira, 16 de abril de 2013

Vamos Morrer



Vamos morrer.
Vamos todos morrer, e eu não quero soar como uma pessoa triste, ou o passageiro de um avião cuja asa acabou de ser decepada por um raio, mas vamos todos morrer.
Digo que não quero soar como uma pessoa triste porque o mero ato de morrer, em si, não pode ser uma coisa triste ou feliz. Falta ponto de comparação.
Dizemos que uma lasanha é boa e, subentendido, está o fato de que ela é boa comparada a outras lasanhas, ou, se você tem uma visão mais abrangente do mundo, outras comidas de origem italiana.
Mas não existe ponto de comparação para a morte. Morrer é ruim em relação a o que? Viver? Vive-se baseado na morte. Não existe vida que não termine com a morte (não discutirei zumbis nesse texto, não insistam), portanto, não podemos dizer que a vida que termina em morte é boa ou ruim.
O que podemos dizer, no entanto (e, no caso, eu estou dizendo), é que morrer é angustiante. É angustiante no sentido que nos trás uma dualidade cruel, de um tipo que não estamos preparados para lidar.
Morrer transforma a vida em um paradoxo.
Explico: A morte, a partir do momento em que se torna parte da vida (ou seja, a morte sendo a morte. Desculpe, eu não sei porque alonguei essa frase), transforma-a (a vida) simultaneamente, em algo ridiculamente desprovido de valor e na coisa mais valiosa do mundo.
Explico mais um pouco: Sob a ótica da morte, viver qualquer tipo de vida não faz o menor sentido. Trabalhar, casar, ter filhos... Ou o polo oposto: não trabalhar, beber, morar na rua, alimentar-se de sol, sei lá... Tudo isso perde o propósito sob a ótica do “não-existir”, de forma que tudo o que fazemos é irrelevante. E esse fato carrega consigo uma infinita liberdade.
Explico mais um pouquinho (ta acabando): Por outro lado, o fato de que só vivemos uma vida e não haverá vida após essa vida (e, mesmo se houver, você vai ser uma pessoa completamente diferente e não vai lembrar da sua vida anterior: ou seja, não é você, ou seja: não existe vida após essa vida, ou seja: eu estava certo) faz com que toda e qualquer atitude tomada tenha um valor inestimável. Só temos essa vida, só temos esse período de tempo, só temos esses recursos, e, por mais que tudo seja varrido para o esquecimento no momento de nossa última respiração, agora, neste segundo, a vida tem um valor infinito.
Devemos, então, viver cada segundo como se fosse o último? Aproveitar nossa vida pois não sabemos o dia de amanha? Viver em uma espiral hedonista eterna, sem a menor consideração pelos sentimentos daqueles a nossa volta e do mundo em que vivemos, porque, francamente, depois que eu morrer nada mais importa, então o mínimo que essa vida indiferente me deve é a possibilidade de entorpecer-me de sentimentos e alegrias fugazes?
Ou, por outro lado, devemos construir cada momento na consciência de que existirá um momento após aquele, e outro após aquele, cuidadosamente construindo nossa casa de cartas, que, sabemos, dia mais dia menos, será carregada pelo vento, mas que, enquanto o vento não bater, nos proverá abrigo e proteção?
A resposta, obviamente, é que foda-se.