quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Resposta

Ah, meu querido, se a vida fosse assim tão fácil quanto era largar-me nos teus braços e esquecer de tudo que se passa pra fora da janela...

Me desculpe por pintar os teus cenários com minhas cores, que não duraram tanto quanto a eternidade que você tanto queria, mas eu preciso que você entenda, meu amor, meu grande amor, que minha briga nunca foi contigo.

Foi com essa vida intrometida, que se joga na minha frente e implora à ser vivida. Foi com esse universo mesquinho e egoista, que se abre em promessas até perder de vista.
Eu queria uma existência sem graça, sem nada no futuro e nada no passado, onde só existisse eu e você e mais ninguém, para sempre e um pouco além. Mas a vida se fez assim, cheia de promessas que me afastam de você.

Nunca duvide do meu amor, por favor. Nunca se pergunte em que olhar, em que sorriso, em que beijo terminou minha paixão. Não foi assim que aconteceu. Não foi culpa de ninguém. Não foi você, meu amor, e não fui eu. Foi tudo que fica além.

Você fez de mim a tua eternidade, e por isso, eu serei eternamente grata. Nosso tempo, nossa vida, nosso pedaço de existencia vai sempre existir. Não é passado, não é memória. É um pedaço de felicidade que flutua no universo, lacrado por uma porta cuja fechadura só nós dois temos a chave.

Não me esqueça. Quando minhas cores se apagarem dos teus cenários, guarde contigo um pedaço da tinta descascada. Não se esqueça nunca que, por onde quer que eu ande, eu jamais pintarei outros cenários com as mesmas cores com que pintei a nossa vida.

E guardou o porta-retratos de volta na gaveta

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Três Dias

Calhou que o universo me fez dia 28 de Dezembro de 1989, uma Quinta-Feira, e eu acho que isso me definiu. Calma, calma, não é papo de boteco, me escuta.

Eu nasci para ver os três últimos dias dos anos 80. Provavelmente assisti a queda do muro de Berlin na retrospectiva da Globo, e a música mais tocada nas rádios era uma do Phil Collins, Another Day in Paradise (existe alguma sutileza aqui em referência ao fato de que eu estava pedindo para não nascer, para não entrar nesse mundo triste e complicado, e ficar só mais um dia no paraíso, mas a preguiça é maior que a inspiração, então nem vou desenvolver). Três dias antes do recomeço. Guarda isso, a gente vai usar daqui a pouco.

E uma quinta-feira. Que, vai, não é um dia hediondo como o domingo (a existência do domingo foi, recentemente, classificada oficialmente pela ONU como um crime contra a humanidade) ou a segunda, nem tão bunda quanto a terça ou a quarta. Mas não é nenhuma sexta ou sábado. É um prelúdio, a quinta. Ela começa a deixar a semana pra trás, e já ta com um pé na sexta, na diversão, no fim de semana.

Me sobraram três dias daquela semana para viver também, lá em 89, quando o ano, a década e a semana acabaram no mesmo domingo.

Três dias de vida. É um suspiro, uma puxada de ar. Eu gosto disso. Apesar da inevitável fusão do presente de natal com o de aniversário, eu gosto. Eu mudo um pouquinho antes do resto das pessoas. Me preparo antes de todo mundo, sentindo um novo ano chegando, como quem experimenta a sopa direto da panela e da sua avaliação.

Meu aniversário é uma eterna quinta-feira. Uma “quase-novidade”, um prelúdio do que está por vir. Uma versão teste do próximo ano. Passa despercebido, entre o nascimento de Cristo e do Calendário Gregoriano. E assim, sem ninguém perceber, eu ganho esse bônus. Essas 72 horas de força a mais, de preparação para ficar mais velho. Parece meio triste, mas é verdade: antes de todas as pessoas, eu me preparo para colocar um ano a mais na minha história e um a menos no meu futuro.

Sem ninguém perceber, eu já passei de ano. Em segredo, envelheço um pouco antes do mundo. Para já ir acostumando.

Feliz Natal, Feliz Ano Novo, e, especialmente, Feliz Aniversário para todo mundo que comemora aniversário com a árvore de natal montada no canto da sala.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A Fonte



Andando sozinha e despreocupada, Sophia encontrou uma fonte. Dessa antigas, de pedra branca, que cospem a água do centro em todas as direções, formando um laguinho de águas turbulentas embaixo.


A fonte estava desligada, de forma que Sophia podia ver com clareza, através das folhas secas boiando e do musgo que se agarrava as laterais, um milhão de pequenas moedas douradas, roubando para si as luzes da noite e devolvendo-as em forma de pequenos pontos de luz incrustados no fundo de mármore.


Sorrindo, Sophia deixou a mão cair na água. Com leveza, balançou para lá e para cá, desenhando pequenos círculos concêntricos na superfície. Que estranho. Todas essas moedas, todos esses pedidos. Sophia sabia que as pessoas jogavam moedas na fonte, e, de pálpebras bem apertadas, sonhavam os sonhos que queriam realidade. Os únicos pedidos que eu fiz com moeda foram na padaria, de bala, doce ou chocolate. Todos se realizaram. Sophia permitiu-se um segundo sorriso e, afundando a mão na água, buscou uma moeda ao acaso.


Você foi um filho que nunca veio. Eles tentaram, tentaram e tentaram. Tudo o que queriam era você para ocupar o quarto vazio, que, com o tempo, foi virando depósito, envelopado por um papel de parede de unicórnios descascado e velho.


Sophia jogou a moeda de volta e pescou mais uma.


Você foi uma promoção. Finalmente o reconhecimento, depois de tantos anos de luta. Merecido, merecido. Agora pode comprar seu carro novo, e, quem sabe, planejar aquela viagem para Ushuaia.


Você foi o pedido de reconciliação. Depois daquela briga boba, que de tão boba e sem importância, acabou fazendo bobo e desimportante o casamento inteiro. Que coisa.


Você foi a recuperação milagrosa da vovó.


Você foi uma viagem para Disney, você foi um videogame novo e você foi o pedido para que o papai voltasse para a casa e a mamãe parasse de chorar.


Sophia mergulhou a mão mais uma vez e escolheu outra moeda.


E você... Você eu vou usar. Acho que o universo não vai ligar se eu reciclar um pedido.


Sophia fechou bem os olhos e apertou a moeda molhada entre as mãos. Eu queria encontrar um motivo para todas as coisas. Eu queria saber por que o universo se da ao trabalho de existir, e eu queria saber de onde a gente veio e pra onde a gente vai.


Eu queria saber.


Sophia largou a moeda descuidadamente na água, e suspirou assistindo o pedacinho de metal dançando, devagar, em direção ao fundo da fonte.


Já ia levantar para ir embora quando, sem pensar duas vezes, enfiou a mão na água e resgatou a moeda antes que batesse no fundo.


E um iPhone.





Jogou a moeda de volta e deu meia volta, deixando para trás o laguinho habitado pelos desejos daqueles que desejam.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Porta-Retrato



Eu não guardo rancor, nem raiva, ele disse, olhando bem no fundo dos seus olhos. Você nunca me deu o teu ódio, de forma que eu nem saberia onde guardar. 

Não. Eu guardo só o que você me deu. As minhas memórias sem graça, que você, sem pedir licença, invadiu e melhorou. Os retratos mentais de momentos mundanos, paisagens sem cor e vazias, que, sem nem pedir por favor, você pintou por cima, com as cores vivas com que pintava tudo.
Não pense que eu estou triste, que você me machucou. Não é você que está no poder. Não cabe a ti te tirar de mim. Saia pela porta quantas vezes quiser, o barulho já não me incomoda mais. De dentro de mim, você só sai quando eu quiser. Se eu quiser.

Você não está no poder. Vai, viaja o mundo, vai embora, esquece de mim, te perde em outros abraços, ele dizia. Mas você vai continuar pra sempre aqui, até quando eu não precisar mais de ti. E isso só cabe a mim dizer.

Você me ofereceu a sua vida, e por isso, eu sou eternamente grato. Obrigado por pintar a minha vida com as tuas cores. Aqui elas ficarão, até o tempo desgastar a tinta e uma nova cor aparecer. Obrigado. 

E guardou o porta-retratos de volta na gaveta.