sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Porta-Retrato



Eu não guardo rancor, nem raiva, ele disse, olhando bem no fundo dos seus olhos. Você nunca me deu o teu ódio, de forma que eu nem saberia onde guardar. 

Não. Eu guardo só o que você me deu. As minhas memórias sem graça, que você, sem pedir licença, invadiu e melhorou. Os retratos mentais de momentos mundanos, paisagens sem cor e vazias, que, sem nem pedir por favor, você pintou por cima, com as cores vivas com que pintava tudo.
Não pense que eu estou triste, que você me machucou. Não é você que está no poder. Não cabe a ti te tirar de mim. Saia pela porta quantas vezes quiser, o barulho já não me incomoda mais. De dentro de mim, você só sai quando eu quiser. Se eu quiser.

Você não está no poder. Vai, viaja o mundo, vai embora, esquece de mim, te perde em outros abraços, ele dizia. Mas você vai continuar pra sempre aqui, até quando eu não precisar mais de ti. E isso só cabe a mim dizer.

Você me ofereceu a sua vida, e por isso, eu sou eternamente grato. Obrigado por pintar a minha vida com as tuas cores. Aqui elas ficarão, até o tempo desgastar a tinta e uma nova cor aparecer. Obrigado. 

E guardou o porta-retratos de volta na gaveta.

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