terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Agridoce

-E você superou completamente?

-Completamente.

-Assim? De um dia pro outro? Sem mais nem menos?

-Sem mais nem menos. Quer dizer, sem mais nem menos não. É só que eu percebi que esse vazio, esse falta que ela faz, isso não vai embora. Isso ficou dentro de mim e essa é a herança que eu tenho dessa pessoa que um dia foi tão importante pra mim. E, por mais que a sensação nunca deixe de ser...não é ruim a palavra...melancólica. Por mais que a sensação nunca deixe de ser melanc...agridoce! Nunca deixe de ser agridoce, a forma como eu me sinto em relação à sensação mudou. Parei de ver como um intruso, um inimigo, algo que me faz mal. Agora é só algo dela que ficou em mim, um pedaço, mais que uma lembrança, um verdadeiro pedaço de existência dela que eu vou guardar pra sempre dentro de mim. Em todas as noites que vão se seguir na minha vida, eu vou acordar sem ela lá, mas esse agridoce, essa sensação sem nome que vem quando eu penso nela, vai me trazer seu abraço, seu cheiro, o jeito como sua mão procurava meu corpo durante o sono, seus olhos de inocência quando acordava. Tudo isso está ali, no meio desse agridoce sem nome. É um absurdo pensar nisso como uma coisa ruim. Todas as alegrias e tristezas do nosso tempo juntos estão ali, dentro dessa sensação. Viu? Por isso agridoce! Tristezas e alegrias! Tudo isso está guardado pra sempre dentro de mim, um pedaço dela que se juntou a um pedaço meu pra se transformar em uma coisa nova, uma coisa sem nome, uma coisa linda que vive dentro dela e vive dentro de mim. E sempre vai viver.

-Seus olhos estão vermelhos.

-Pede outra cerveja. E vamos falar de futebol.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Metalinguisticas

Escrevia textos e mandava pra ela. Pequenas fábulas de amor. Confissões, na verdade, que ele não tinha coragem de falar abertamente. Ela lia e dizia que gostava, sem entender que as histórias eram cartas de amor disfarçadas. Um dia, ele tomou coragem e resolveu abrir o jogo. Mandou um conto pra ela, que era mais ou menos assim:


Existia um garota, e um garoto apaixonado por ela. Ele vivia escrevendo histórias de amor e ela vivia lendo-as, sem nunca entender quem era a verdadeira estrela de sua literatura. Um dia, o garoto tomou coragem e mandou uma história diferente. Uma história de um garoto que escrevia textos de amor para a garota que amava, porque não tinha coragem de se declarar. Ele espera uma resposta.


Quando leu o texto, a menina ficou encantada, porque a verdade é que ela sempre gostou dele, mas também nunca teve coragem de falar nada. Se imaginava a estrela de todas as lindas histórias de amor que ele escrevia, mas nunca supôs que de fato fosse! Animada, resolveu continuar a brincadeira e mandou um texto para o garoto:



Existia um garoto, e uma garota apaixonada por ele. Ele vivia escrevendo histórias de amor e ela viva lendo-as, sem nunca entender quem era a verdadeira estrela de sua literatura. Um dia, o garoto tomou coragem e mandou uma história diferente. Uma história de um garoto que escrevia textos de amor para a garota que amava, porque não tinha coragem de se declarar. E ela resolveu responder. Escreveu uma história sobre uma garota que amava um garoto, e, quando descobriu que ele também a amava, foi correndo até a casa dele, tocou a campainha e esperou que ele saísse e a tomasse nos braços e beijasse sua boca.



Quando leu a história da menina, o garoto ficou encantado, não só com o fato de seu amor ser correspondido, mas também com as habilidades literárias até então desconhecidas de seu grande amor. Animado, pegou a caneta e começou:



Existia um garoto, e uma garota apaixonada por ele. Quando ela descobriu que o amor era recíproco, resolveu bater na porta na casa dele, esperando que ele a tomasse nos braços e beijasse sua boca.

Quando abriu a porta e viu aquela menina linda, o amor da sua vida, ele abriu um grande sorriso e disse:

-Eu te amo, estou tão feliz que você está a...

-Perai. – Respondeu a menina, subitamente.

-O que foi?

-Isso não é real.- Ela olhava em volta, confusa, como se algo estivesse muito errado.

-Como assim, não é real?

-Isso aqui não é a vida real. A gente está na história do menino.

-História do menino? – Ele, agora, olhava em volta, também confuso.

-É. O menino escreveu uma história sobre um menino que escreve uma declaração de amor em forma de história para a menina, certo?

-Certo, certo.

-Então a menina respondeu, e escreveu a história de uma menina que recebe do menino um texto, que conta a história de um menino que escreveu uma história sobre um menino que se declara para uma menina através de uma história, e ela resolve bater na porta dele para que ele saísse e a tomasse nos braços e beijasse sua boca.

-Então...A gente está na história da menina, não?

-Não, não – Ela parecia agitada, agora – Porque o menino respondeu. Essa é a resposta do menino. O menino recebeu uma resposta para sua declaração e resolveu escrever uma história. É essa a história que a gente está agora.

-Meu Deus. – Ele estava muito confuso agora.

-Precisamos sair daqui, rápido, vem comigo.



-Pronto, aqui acho que estamos seguros. – Disse ela, segurando sua mão.

-Que lugar é esse? Não parece a vida real. – Ele começou a olhar em volta e, de repente, exclamou – Ah, não, isso aqui é o jardim da minha casa! A gente está na história da menina!

-A história da menina? A da campainha, da porta e do beijo?

-Isso, isso! Olha só, aquela ali é a porta da minha casa. – Disse ele, apontando para frente.

-E agora? O que a gente faz? Precisamos sair ficção, precisamos ir para a vida real!

-Eu tenho uma idéia, rápido, por aqui.



-Onde estamos agora? – Perguntou ela.

-Eu não sei. Parece um quarto, está tudo muito escuro. Deixa eu acender a luz.

Ela piscou algumas vezes, olhou em volta e deu um pequeno grito de alegria. – Esse aqui é o meu quarto! Acho que agora estamos na vida real!

Mas ele não parecia convencido. – Espera...Tem alguma coisa estranha ainda. – Ele olhou em volta, e de repente apontou para um canto do quarto. – Nada disso! Olha só aquela escrivaninha com um papel e uma caneta! Essa aqui é a primeira história da menina!

-Primeira história?

-É, lembra da resposta da menina? Não era sobre uma menina que recebe uma declaração e vai tocar a campainha do menino. Era sobre uma menina que escreve a história de uma menina que recebe uma declaração e vai tocar a campainha do menino! Essa é a história que a gente está! Por isso a escrivaninha. Você deveria estar sentada ali escrevendo sua história. E eu nem deveria estar aqui!

-Meu Deus, e agora?

-Vem comigo!

Ela fez menção de ir, mas de repente parou. – Espera.

-Espera o que, a gente precisa sair daqui!

-Precisa mesmo? Eu nem lembro se gostava de você na vida real. Vai que foi só algo que você escreveu?

-Oras, se é assim, eu não sei se gosto de você na vida real também. Pode ser tudo coisa de um texto seu.

-Então porque a gente não fica por aqui, mesmo?

-Por aqui?

-Vem comigo. – E ela puxou o menino pelas mãos e o levou até a escrivaninha. Sentou-se e, com ele em pé ao lado, pegou a caneta e disse – Vamos passear por aí.

E começou a escrever a história de um menino que faz uma declaração para uma menina, que responde com uma história sobre uma menina que escreve um texto sobre uma menina que ama um menino, e então...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Ele/Ela

Ele pensava: “O amor perfeito é o amor do salgado folheado. Ninguém consegue comer um folheado sem parecer um completo imbecil, babando pedaços de massa para todos os lados e acabando com o rosto e camisa completamente sujo de migalhas. Se você consegue comer um folheado na frente da pessoa que você ama, sem nenhum tipo de vergonha ou inibição, você encontrou o amor perfeito.”
Ela pensava: “Amor de verdade é ligar a torneira enquanto usa o banheiro, pra disfarçar o barulho.”
Ele pensava: “Um dia perfeito? Um filme ruim, uma cama e salgadinhos requentados.”
Ela pensava: “Um jantar, no dia dos namorados, restaurante a beira-mar, numa cidadezinha rústica, mas chique nos seus próprios termos. Peixe, salmão de preferência. Discutimos sobre a questão da bebida. Ele quer vinho branco, eu digo que é pra fazer pose e peço um refrigerante de laranja. Ele diz que eu não tenho modos, que nunca seria uma princesa, eu digo que primeiro preciso achar um príncipe. Ele ri, se inclina na mesa e me da um beijo. Não um beijo de cinema, inesquecível e intenso. Um leve roçar de lábios, que contém todo o tempo que nós passamos juntos e se amamos. O peixe chega, ele derruba molho na camisa, eu dou risada e ele finge estar bravo, levemente envergonhado. Chegando em casa, durmo em seus braços na sala, assistindo alguma besteira americana na TV a cabo.
Ele pensa: “Amar pra sempre é uma ilusão. Amor perfeito sempre tem fim. O fim de um amor é parte dele. E não uma parte qualquer, a parte essencial. Um amor se define pelo fim. Nenhum amor eterno é completo. Falta a nostalgia, a lembrança, a saudade, a idealização daquilo que um dia existiu. O único amor ideal é o idealizado, começa a partir do que aconteceu e se completa naquilo que se imaginou.
Ela pensa: “Se a morte não os separou, não foi amor de verdade.”
Ele pensa: “Sexo é só corpo com corpo, não precisa de amor. Mas com amor fica melhor, todo mundo sabe. São coisas diferentes, na verdade, né? Sexo sem amor, sexo com amor. Eu prefiro com, mas não nego se for sem, poxa.”
Ela também.
Ele pensa: “Uma tarde chuvosa, uma musica lenta, um velho quarto de hotel, uma dança a luz de velas. Um filme passando em uma televisão velha ali do lado, sem som, só fazendo companhia para nós dois.”
Ela pensa: “Não gosto de tardes chuvosas. Mas beijo na chuva é legal. Deve ser, nunca fiz. Agora estou triste, não quero mais pensar nisso.”
Ele pensa: “Não existe vida após a morte. Não faz sentido fazer nada aqui na Terra, porque um dia tudo vai acabar. Só vale a pena viver, deixar as coisas acontecerem e tentar ao máximo se distrair e esquecer o absurdo que é estar vivo em um universo completamente indiferente a nossa consciência errante.”
Ela pensa: “Não existe vida após a morte. É isso que me faz levantar todos os dias e tentar aproveitar ao máximo a vida, cada segundo, cada minuto de cada dia. Deus me livre, viver tudo isso eternamente? Ou então ir pro céu, ou reencarnar, ou o raio que o parta. Que sentido faria buscar as coisas que eu gosto na vida, se a vida é só um ensaio pro que a de vir? Ainda bem que um dia vamos todos morrer.
Ele pensa: “Preciso arrumar o que fazer. Não da mais pra ficar passando todo Sabado a noite em casa, bebendo e pensando na vida.”
Ela pensa: “Preciso mudar de vida. Não da mais pra ficar indo em festa todo Sabado a noite e ficar pensando na vida em vez de me divertir.”
Pena que nunca se conheceram.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Amores

Teve aquele moço que, numa noite de terça-feira, sonhou com uma linda mulher em um vestido branco e resolveu viajar o mundo a procura dela.
Não sei que fim levou. Largou mulher, filhos, emprego, tudo. Hoje passa os dias indo de cidade em cidade, perguntando em cada esquina por uma mulher de branco, com umas orelhas meio de abano saindo pelo cabelo e os dentes da frente levemente separados.
Tem também o escritor que, cansado dos romances fracassados, resolveu sentar e escrever a mulher perfeita. Achava que seus livros fracassavam porque as mulheres da história não tinham o apelo certo, não seduziam nem apaixonavam o leitor. Passou três anos só desenvolvendo a personagem, cada traço, cada trejeito, tudo. No final, se apaixonou por ela. Dizem que são felizes, até hoje.
E o sujeito que se matou pra ir de encontro a namorada, falecida num acidente de carro?
Chegou no céu e descobriu que ela já estava com outro. Passou semanas em depressão. Um dia não agüentou mais. Reencarnou.
Teve o outro que uma vez usou um terno tão bonito, mas tão bonito, que quando se olhou no espelho virou gay. Descobriu que nunca acharia uma mulher tão bonita quanto ele naquele terno. Esse não sei que fim levou, mas dizem por aí que está bem de vida, mora sozinho, tem dinheiro e vive rindo a toa.
A moça que se apaixonou por dois homens, também. Não sabia qual escolher, passava um dia com cada, e, quando deitava na cama com um, pensava no outro. Ficou assim por anos, sem conseguir decidir. No final, descobriu que cada um deles também tinha outra, e hoje em dia moram os cinco juntos, e dizem que as festas na casa deles são muito boas.
O que se apaixonou por um momento? Esse, coitado, é triste até hoje. Namorava a menina, o namoro já estava pra acabar, mas um dia, na saída de uma festa, a manga do vestido caiu um pouco pelo braço, relevando um ombro nu, ao mesmo tempo em que ela virava o corpo e levantava a perna esquerda para trás, pra arrumar o salto, e o coitado se perdeu no momento. Pediu ela em casamento, comprou casa, tudo. Passa a vida esperando um momento que nem aquele.
Teve o musico também, que todo dia escreve uma valsa pra mesma mulher. Já tem mais de oitenta valsas. Só falta encontrar a mulher.
Esquisito foi aquele lá, que se apaixonou pela paciente. Passavam horas conversando, ela contando da vida dela, ele ouvindo. Toda semana, no mesmo dia, no mesmo horário. Um dia ele se decidiu, largou a família, abandonou a psiquiatria e foi viver com ela no quarto do manicômio.
E o casal de velhinhos? Tiveram um casamento arranjado, passaram a vida inteira juntos a contragosto. Nem se falavam. Jantavam em silêncio, ela via novela, ele lia o jornal. Passaram quarenta anos morando juntos, se ignorando em completa harmonia. Semana passada descobriram que se amam. Deu uma confusão danada. Parece que até sexo começaram a fazer.
E teve o garoto que descobriu que a namorada tinha um caso com o melhor amigo. Dez anos depois, ficou milionário e se mudou pra Paris. Só de birra.
O mundo é um dos piores lugares do mundo pra se apaixonar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Santos No 3 (a dançarina)

Ela dança uma melodia
Que só ela sabe ouvir
Entre a angustia e a euforia
De não saber a nota a vir

Se rodopia solitária
Sozinha se enlaça
Indignando ao seu redor
Essa gente tão sem graça

Meio erótica, seduzindo
Vai deixando-se levar
Se afastando, as vezes rindo
Pra depois se aproximar

Tecendo um tango ao som de bossa nova
Um bolero rock n roll
Puxando gente pra dançar
Depois que a musica acabou

E as vezes parece meio perdida, essa menina
Vez ou outra seu olhar tão confiante vacila
E se revela assustado, errante, carente, sozinho
E quase ninguém vê...

Mas continua a sua dança, com esse jeito de criança
Meio menina ou mulher, sem saber bem o que é
Esperando um dia, talvez, quem sabe, por que não?
Achar o ritmo certo, e encaixar seus passos na canção

Santos No 2 (trem da meia noite)

Lá longe
Bem pra lá do por-do-sol
Ele vem
apitando e chamando quem vem

Quem vem pro trem da meia noite
Esperando qualquer coisa
Nova nessa vida
Sem memória e sem história
E sem amor

Lá no horizonte
Bem longe da felicidade
Ele vem
apitando e chamando quem vem

Quem vem pro trem da meia noite
Esperando um sorriso
Há muito já perdido
Nas estradas e nas curvas
Desse trem

Santos No 1

E de repente, quem sabe
A gente não se encontra
Numa tarde fria e chuvosa
Nas esquinas de Paris

Ou então, melhor ainda, minha linda
Será que a gente não se encontra
No lançamento daquele livro ou daquele filme
Que eu falei, falei e nunca fiz

Quem sabe numa meia noite qualquer
Num boteco aí da vida
Eu não cruze o olhar com o teu
Quem sabe, minha querida?

E aí a gente volta um pouco pro passado
Cruza a madrugada de braço dado
E eu faço juras de amor, sem verdade alguma
Antes que você suma

E de manhã tudo volta ao normal
Minha esposa, minha vida banal
E você vai pra esse lugar aí que eu não sei
Porque eu já procurei, procurei, olhei e vasculhei
O mundo inteiro a tua procura
E nunca mais te achei