quarta-feira, 24 de julho de 2013

Casas






Ninguém mora na casa do vizinho. A definição de vizinho, por si só, já exclui essa possibilidade. Pra ser vizinho tem que morar perto, mas não junto.

E é isso, as vezes eu penso numa grande vizinhança. Um bairro imenso, cheio de casas. Algumas grandes, algumas pequenas, algumas decrepitas, palácios, studios e lofts.

E, claro, todo mundo visita um vizinho, de vez em quando. Um churrasco na casa de um, um jogo de futebol na casa do outro. Uma noitada de cerveja e jogos de tabuleiro. Um queijos-e-vinhos.

Mas chega a hora de ir pra casa, sempre, sempre. E o vizinho não vai junto, porque ele tem a casa dele, senão não era vizinho.

E você fecha a porta, acende a luz, tira os sapatos e as meias e senta no sofá. E aí é só você.

Eu acho que a gente sente muita falta de companhia, de contato, de mais alguém na nossa casa. E ninguém mais tem a chave. Ninguém mais conhece os corredores labirinticos, os quartos e os porões e os comodos e os móveis, ninguém mais anda por ali, só você.

A gente guarda memórias na casa, é verdade. Grandes rolos de filme de namoradas, amigos, momentos. Fotos. Porta-Retratos. Vidas inteiras jogadas dentro de uma caixa em algum quarto, pra gente se consolar.

Mas passa. Sempre passa e não tem ninguém em casa. Não da pra ter ninguém em casa, não cabe. Você pode sair o máximo possível, pode passar o dia na casa dos vizinhos, no parque, na rua, mas uma hora você tem que dormir. Uma hora, cedo ou tarde, você encara o batente da sua porta, e aí, aí é só você.

Eu acho que a gente sente falta do toque. É ísso, tocar na pessoa, ser tocado. De verdade, na essência. Porque, na verdade, na grande verdade, é isso que não da pra alcançar. Você pode ser a pessoa mais livre do mundo, mas vai sempre estar presa dentro de você. Só você. Da pra falar pela janela, da pra usar o telefone, as vezes até internet tem. Mas lá dentro, vivendo bem lá dentro dessa casa, só cabe você e mais ninguém.

Ou isso ou o frio me deprimiu.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Primeira Vez



Sabe a primeira vez que você usa uma escova de dentes nova, aquela sensação estranha de que você está escovando os dentes errado, ou de que a escova não encaixa direito entre os seus dentes?

Lembra da primeira vez que você saiu sozinho com alguém que hoje você conhece bem? Aqueles silêncios que incomodam, aqueles dez goles por segundo que você toma da sua bebida só pra fazer alguma coisa, enquanto procura na cabeça alguma coisa pra falar (ela gosta de futebol? que faculdade que ele faz mesmo? o que foi que a gente conversou aquele dia com o pessoal, que todo mundo riu?)

Lembra da primeira vez que você experimentou uma comida que parecia horrível, mas que te falaram que era uma delícia (só um pedaço, para de ser fresco...)? Lembra como você experimentou, continuou achando uma bosta e nunca mais comeu de novo?

Sabe? Aquela sensação de começar a ler um livro ou assistir um seriado e achar ele espetacular, e recomendar para todos os amigos e não conseguir falar de outra coisa... E depois de um tempo perceber que nem era tão bom assim, e graças a Deus que nenhum dos seus amigos foi atrás.

Lembra da primeira vez que você viu o mar? É, eu também não, eu sou de Santos, eu nasci vendo o mar... Mas tem muita gente que só foi ver mais velha, e eles devem lembrar, e deve ter sido marcante pra caramba (Poxa, mãe, é maior que a piscina do Tio Éder).

Sabe a primeira vez que você tirou dez em uma prova? Lembra daquela sensação?

Lembra do seu primeiro celular? Ele tinha Snake também? Lembra quando tinha jogo, câmera e agenda (e só), as pessoas comentavam: "nossa, celular hoje em dia faz tanta coisa, que ligar é o de menos".

O primeiro filme que você viu no cinema? Seu primeiro beijo? Seu primeiro beijo no cinema? O primeiro filme que você viu em VHS? E depois em DVD? Depois em Blu-Ray? Depois mandou tudo a merda e falou "foda-se, vou esperar eles decidirem um e aí eu recompro minha coleção inteira."

Lembra da primeira vez que você deu a resposta perfeita para um insulto? Daquelas que são seguidas ou por um silêncio vitorioso ou por um sussuro coletivo de "ooooooh" (ou, na variante mais agressiva: "ai caraaaaaaalho"). E a vez que você pensou no insulto perfeito dez minutos depois da discussão? E repassou ela na cabeça cinco mil vezes, ganhando no imaginário a discussão que aconteceu na vida real.

A primeira vez que você ganhou roupa de natal. Que bosta. E brinquedo sem pilha? "Parabéns, nesse Natal você ganhou a perspectiva de brincar com o presente que você esperou o ano inteiro amanhã. Por hoje, assista o especial da Globo com a gente enquanto as outras crianças se divertem".

A primeira vez que você percebeu que Jesus não era brasileiro, e que Belém do Pará é outra Belém, e a professora do colégio católico ficou meio brava.

A primeira vez que você chorou, sorriu, beijou, amou, odiou, esperou, espirrou, dirigiu um carro, descobriu uma mentira, contou uma mentira, tomou chuva por vontade própria, ficou bêbado, engessou a perna, viajou, andou de avião, chorou de rir, riu no meio do choro (e ficou puto da vida porque rir no meio do choro é uma sensação escrota), andou de trem, saiu de casa sem os pais, jogou futebol na rua, viu seu time ser campeão...

Se existe uma instituição que regula a entrada das nossas experiências de vida na nossa memória, pode ter certeza que as nossas primeiras vezes tem atendimento preferencial (alias, lembra da primeira vez que você pegou fila de banco?)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Tabuleiro

Três, dois, um, rola o dado, vai começar.
Escolhe um pino e um time, escolhe um lado. E começa a jogar.

E você anda quatro casas e para no quadrado. “Meu primeiro amor”. Gira a roleta. Fique uma rodada sem jogar, você está de coração partido, seu amor não foi retribuido.

Passou, joga de novo. Passou a rodada, mas você não. Andou um quadrado, caiu no “Repetiu de Ano”. Volte um quadrado, estude mais. Seus amigos continuaram, os pinos indo pra frente, você ficou pra trás.

Calma, tem mais jogo, continua. Cada passo é um passo. Tem tempo. Puxa uma carta do maço. “Adolescencia”. Ande quatro casas, volte três, fique em dúvidas, grite pros seus pais “a vida é minha”. Fique com o rosto cheio de espinha. Ande mais vinte casas. Volte quarenta. Seus amigos já deram beijo na boca, você nem tenta. Na festa todo mundo dança, você senta.

Rola o dado, anda, parou em outra casa? “Vestibular”. Fique três rodadas sem jogar. Alias, levanta da mesa, joga o tabuleiro longe e vai estudar.

Passou! Ande dez casas e vá para a Faculdade. Role o dado dez vezes: Uma pelas namoradas, uma pelas provas, duas pelas festas e as baladas, três pelos amigos, mais uma por alguns corações partidos, uma para o fim de toda essa loucura, a última pela formatura.

Parabéns! Você caiu no “primeiro emprego”! Na segunda-feira vê se chega no horário. Role o dado, se der quatro e meio você vai receber um bom salário.
Anda de novo, dessa vez de carro! É um ponto zero e não engata direito a ré, mas é melhor que andar a pé.

Jackpot! “Casamento”. Parabéns! Junte os dois pinos na mesma casa (alugada), volte trinta para pagar a festa e na Lua de Mel você gasta o que resta.

Puxa outra carta do baralho, com cuidado. Você fez quarenta anos! Ganhou dois filhos e um emprego mais bem remunerado.
Jogada bonus! Você ainda não ficou careca, as calças largas precisam de um cinto e seu cabelo branco te deu um ar distinto.

Rola o dado, mais um pouco. Mais idade, aposentadoria. Seu casamento ainda é feliz, quem diria! Você encontra os pinos divorciados para uns petiscos e bebida, e descobre que até que não ta ruim a sua vida.
Joga mais um pouco, devagar, que a mão ta fraca, se forçar muito ela empaca, e aí...


E aí quer saber? E aí você descobre que era só um jogo o tempo inteiro. Só uns pinos em cima de um tabuleiro. E pro diabo com as regras, ande pra trás, pra frente, jogue o tabuleiro pro alto, seja incauto. Quebre a ampulheta, pise em cima da roleta, faz da vida o que quiser, desde que inclua diversão. Esse jogo ta no armário faz um tempão, e ninguém ainda aprendeu a jogar direito, da sempre confusão. E quer saber? Desconfio que nem vem com manual de instrução.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Pancop Episode I - The Phantom Menace

Eu levantei a fita amarela e preta que isolava a área e passei por baixo. Vislumbrei mais uma vez a cena. Não era bonito.
A mulher parecia na faixa dos dezoito anos. Dezenove, de acordo com a identificação que encontramos na bolsa. Seu rosto era lindo: olhos azuis que fariam o mais durão dos guerreiros espartanos fraquejar e segurar uma lágrima, lábios vermelhos e preenchidos, porém não exagerados. Se insinuando, era isso. Labios que se insinuavam. Deixavam promessas no ar, mas não se comprometiam a nada. Um pele lisa e branca, e cabelos loiros escorridos.
O resto do corpo estava do outro lado da calçada.
-Tenente, eu já passei as informações para a perícia, eles devem...
-Não. – Fui interrompido pela voz grave do Tenente Willians. – A pericia não vai dar conta disso. Ninguém do batalhão vai.
Eu sabia onde ele ia chegar. Não havia escolha. Eu odiava aquele cara, todos no batalhão odiavam. Mas haviam algumas situações...Algumas situações que só ele sabia resolver.
Dezenove anos. Novinha. Era a especialidade dele.
-Oficial Vitale. – Disse Willians, uma careta entortando seu rosto – Entre em contato com Pancop imediatamente.

Uma ligação e quarenta e cinco minutos depois, despontava do fim da rua a silhueta de um homem em uma bicicleta. O barulho dos sininhos era inconfundível. Pancop havia chegado.
-O que temos aqui? – Perguntou Pancop, puxando o apoio da bicicleta com a perna direita enquanto removia um palito mordido da boca.
-Ahn, parece um...
-EU NÃO LEMBRO DE TER PERGUNTADO MERDA NENHUMA PRA NINGUÉM. – Gritou Pancop, chutando a própria bicicleta no chão.
-Ahn... Na verdade, senhor Pancop – Começou um oficial que até então se mantinha em silêncio – Você acabou de perguntar o que temos aqui...
-Ah... – Disse Pancop, olhando em volta. – É, sim, é verdade. Muito esperto você, oficial... – Disse, esperando a resposta
-Oficial Teddy, senhor Pancop.
-Muito esperto oficial Teddy. Agora levante a minha bicicleta e saia do caminho. – Pancop passou por baixo da faixa de isolamento. – O que temos aqui, Vitale?
De todas as pessoas da policia, a única por quem Pancop nutria respeito e tratava com consideração era eu. Talvez fosse porque sempre tenha respeitado meu trabalho como policial. Talvez simplesmente tenha ido com a minha cara. Talvez tenha sido porque, na única vez em que levantou a voz pra mim, eu arranquei seu olho esquerdo com um copo de requeijão quebrado.
-Parece que ela foi encontrada hoje de manhã, já nesse estado. – Comecei – Não temos muita informação ainda, mas a pericia deve terminar o trabalho até o fim da tarde.
-A perícia... – Disse Pancop, com desprezo – Quem precisa da perícia?
Pancop se abaixou e pegou a cabeça da garota nas mãos. Levantou-se e ficou encarando-a, face a face, segurando-a pelas duas bochechas, como se fosse beija-la.
-Olhos bonitos. Pele lisinha, sem cravos. Eu diria... Dezenove anos?
Houve um murmúrio de espanto entre os policiais. Quando se tratava de novinhas, Pancop era, de fato, genial.
-Correto, Pancop. Dezenove anos, de acordo com o RG. – Respondi.
-Do jeito que eu gosto. – Disse Pancop, fechando os olhos e abaixando a cabeça da garota em direção a suas partes intimas.
-Ahn, Pancop... – Cutuquei seu ombro, e ele pareceu voltar a realidade.
-Oi? Eu... Certo, certo. Temos que esperar o resultado da perícia. – Pancop olhou em volta, colocou a cabeça decepada embaixo do braço esquerdo e disparou – Eu vou levar isso aqui comigo... Para análise.
Montou em sua bicicleta e disparou, o barulho dos sininhos se distanciando enquanto ele pedalava rumo ao labirinto sujo e caótico que era o centro de Santos.

Naquela noite, enquanto eu terminava minha xícara de chá e me preparava para dormir, o telefone tocou.
-Alo? – Atendi, com a voz cansada.
-É Pancop. – Soou a voz arrastada do outro lado da linha – Me encontre no Jutas em dez minutos.
-Eu... Pancop, são duas horas da manhã!
-Não me importa. Pare de ser menininha. Levante da cama e me encontre lá em dez minutos.
-Não, o problema não é esse. É que o Jutas já ta fechado.
-Ah. – A voz hesitou. – Ok, Karaoke então.
Relutante, coloquei uma calça e uma camisa velha e abri a porta de casa. A noite ia ser longa.

I don’t care who you are
Where you are from
Don’t care what you did
As long as you love me

O Karaoke era um bar amplo com iluminação indireta. Longas mesas de mármore se espalhavam pelo ambiente, rodeadas de cadeiras estofadas em veludo e penas de ganso. No canto, uma velha senhora cantava uma melodia no palco.
Encontrei Pancop na sua mesa habitual, tomando seu drink de sempre: Cachaça com cerveja conhaque vodka absinto whisky tequila e toddynho light de morango.
-Está diminuindo na bebida? - Perguntei, notando que ele havia pedido uma dose simples, não dupla.
-A noite é uma criança. – Respondeu Pancop, virando o copo.
-Na verdade não. Hoje é quinta, o Karaoke fecha daqui a uma hora.
-É verdade. – Pancop levantou o copo vazio – Garçom, mais quatorze doses.
-Eu vou tomar a mesma coisa – Falei, virando para o garçom.
-Então... Faz tempo, desde a última vez que estivemos aqui. Você lembra? – Perguntei, olhando de canto de olho para Pancop, esperando uma reação.
-Eu não gosto de falar sobre isso. – Respondeu Pancop, acendendo um cigarro.
-Claro, claro... É só que... A música que está tocando... – Desconversei.
Na verdade, Pancop estava afastado da polícia há oito meses. Seu último caso havia sido exatamente no Karaoke. Foi no Karaoke que tudo deu errado. E a música, a música que a mulher estava cantando... Era a mesma daquela noite. Da noite em que tudo deu errado.
-Sabe, seria bom você falar sobre isso, Pan...
-EU JÁ FALEI QUE NÃO! -  Disse Pancop, batendo na mesa, ao mesmo tempo que o garçom servia as 28 doses, o que foi infeliz.
-Eu trago um pano. – Disse o garçom, virando nos calcanhares para sair.
-Não precisa – Respondeu Pancop, lambendo a mesa. – Nos deixe em paz por um minuto, por favor.
O garçom nos deixou sozinhos. Pancop levantou o rosto da mesa e limpou a boca com a parte de trás da mão. – Eu descobri algumas coisas. Sobre a novinha.
-O que? – Perguntei, interessado.
-Veja. – Pancop puxou uma mala para cima da mesa e abriu o zipper. Dentro, estava a cabeça que eu havia visto mais cedo, na cena do crime.
-Você está louco? Esconda isso!
-Pelo amor de Deus, Vitale, é o Karaoke aqui. – Disse Pancop, desmerecendo minhas preocupações – Só psicopatas e pervertidos frequentam esse lugar.
-Ok, ok. – Respondi, me dando por vencido. -  O que você queria me mostrar?
-Está vendo aqui, na boca dela? – Disse Pancop, apontando.
-Sim, sim, eu... Você passou batom nos labios dela, Pancop?
-Eu... Claro que... – Pancop pareceu sem graça, mas se recuperou logo – Passei. Mas isso não vem ao caso. Olhe os dentes.
-Sei, o que tem os dentes? – Perguntei, me inclinando para enxergar melhor.
-Percebe que eles estão de outra cor?
-Estão vermelhos, Pancop. Mas isso era de se esperar – Eu disse, indignado com a inocência do meu amigo – Ela deve ter engasgado no próprio sangue quando estava sendo decepada.
-Você me desaponta, Vitale. – Disse Pancop, apagando seu cigarro na mesa. – Olhe de perto, seus dentes são estão vermelhos. Estão rosa.
Olhei de perto. Era verdade, os dentes estavam rosa. O que significava aquilo?
-O que... Mas porque rosa?
-Exatamente. – Respondeu Pancop, pensativo – Porque rosa. Foi exatamente essa a pergunta que eu me fiz depois, tomando banho.
-Depois do que?
-De... Jogar Fifa. – Pancop levantou-se. – Mas eu acho que eu tenho a resposta. Venha comigo
Andamos até o lado de fora do bar e Pancop acendeu outro cigarro. – Vamos fazer uma pequena viagem.
-Para onde? – Perguntei.
-Não é longe. – Respondeu Pancop, colocando o capacete e sentando na bicicleta – Me siga.
Acompanhei Pancop até uma clinica de dentistas, do lado de onde havia acontecido o crime. Ele desmontou da bicicleta e tocou a campainha.
-Pancop, são 3 horas da manhã, ninguém vai... – Comecei, mas fui surpreendido por um barulho de tranca se abrindo e um vulto aparecendo do outro lado da porta.
-O que vocês querem? – Perguntou a mulher do outro lado.
-Fazer algumas perguntas, Mary, se não tiver problemas.
-Pancop, você de novo... – Disse a mulher, cansada. – Pois bem, subam.
O consultório estava vazio. Um cobertor e um travesseiro em cima de um dos sofás da recepção fazia as vezes de cama adaptada.
Me lembrei que Pancop tinha contatos e especialistas para consultar na cidade inteira, quando estava na ativa. Mary devia ser uma informante-dentista.
-Mary, você recebeu meu e-mail? – Perguntou Pancop.
-Com as fotos horríveis daquela cabeça? Sim, recebi.
-E os dentes rosa? O que você acha da minha teoria?
-Perai, perai. – Comecei. –Alguém pode me explicar que teoria é essa?
E então Pancop me explicou: Sua teoria é de que o rosa nos dentes pudesse ser uma marca da borracha de um aparelho odontológico. Era muito comum, entre os jovens, escolher borrachas coloridas para “decorar” os dentes. Pancop achava que, quem quer que fosse o assassino, ele havia removido o aparelho da vítima. Uma espécie de serial killer obsecado por aparelhos, que, com certeza, voltaria a atacar.
-Sim, sim, tudo isso que o Pancop falou estava no e-mail que eu recebi. – Disse Mary – Mas sinto informa-los que não é verdade. Analisei as fotos, e posso garantir que a vítima de vocês nunca usou aparelho.
-DROGA. – Disse Pancop. – Estamos num beco sem saída, Vitale.
-Parece que sim, Pancop.
-Você não teria algo para beber?  - Perguntei para Mary, desesperançado.
-Olha... Acho que... Ah, na verdade, eu tenho uma batida aqui. Um drink que fiz noite passada, deve ter sobrado alguma coisa.
-Uma...O que você disse? – Falou Pancop, levantando-se.
-Uma... batida. Porque?                                                                                                             
-Eu sei quem é o assassino. – Disse Pancop, dirigindo-se a porta. – Ou, no caso... A assassina.
Foi uma viagem longa, e Pancop se recusava a dizer para onde estavamos indo. Finalmente, chegamos no Marapé, onde Pancop dirigiu-se imediatamente para a casa de um antiga conhecida.
TUM TUM TUM.
Rachel Debski, antiga informante de Pancop abriu a porta, de pijamas.
-O que está acontece... Pancop?
-Sim, Pancop. – Respondeu Pancop, colocando um novo palito na boca. – E estou aqui para te prender, Debski!
-Eu... O que está acontecendo?
-Reconhece... ISSO? – Disse Pancop, puxando a cabeça da novinha para fora da mochila e segurando-a pelos cabelos, na frente de Rachel.
-Eu... Eu...
-Permita-me explicar o que aconteceu. – Disse Pancop, andando em círculos em volta de Rachel e de mim. – Todos nós sabemos que Rachel Debski é uma menina... Festeira. Seus exageros com alcool foram parte do motivo pelo qual Debski foi afastada do serviço policial e passou a servir como informante de narcóticos. – Pancop falava pausadamente, sorvendo o momento. – E todos nós conheciamos a maior fraqueza de Debski. Não foi em uma ou duas festas lá na delegacia que vimos a senhorita Rachel ajoelhada em uma privada, vomitando a alma para fora.
E o que ela bebia? Ah, Rachel gostava de cerveja, e de bons vinhos. Mas gostava mais de uma bebida muito especifica. Um drink. Rosa. Uma bebida a base de vodka, gelo, leite condensado e tang de morango.
Rachel sempre foi uma moça de boa família. Nunca precisou roubar para sustentar seu vício. Mas, recentemente, sob a ordem de você Vitale – Disse Pancop, apontando para mim – Esse tal drink rosa foi proibido por lei. Eu lembro do seu discurso, alertando a sociedade para os males desse drink, usando como exemplo a situação precária que tinha virado a vida de Rachel.
Isso tudo foi a uns dois meses atrás. Tempo mais do que suficiente para um mercado negro surgir. E quem, quem conhecia essa bebida bem o suficiente para encabeçar o trafico?
Rachel Debski estava palida, olhava de Pancop para mim, sem saber o que fazer.
-Rachel! Você, Rachel! – Disse Pancop, apontando um dedo acusador em sua cara. – Você começou a fabricar para uso próprio, mas não foi o suficiente, foi? Não. Você começou a vender. No começo, só para amigos, em festas, conhecidos de conhecidos.
Mas o mercado foi crescendo. E você foi atendendo pessoas que não conhecia.
Até que aconteceu. O primeiro cliente que não pode pagar a dívida.
Você não podia deixar barato. Tinha que dar o exemplo. Tinha que mostrar que ninguém pendurava a conta com Rachel Debski! Por isso você foi atrás da novinha, essa infeliz moça que você viciou com a bebida rosa, e decepou-a, e deixou-a no meio  da rua, como um cachorro! Como um cachorro, Rachel!
-Ta bom, eu admito! – Disse Rachel, cobrindo o rosto.
-COMO UM CACHORRO!
-Eu admito! Fui eu, fui eu! – Rachel soluçava muito.
-AU AU, RACHEL, AU AU! COMO UM CACHORRO FAZENDO AU AU!
-Eu acho que ela ja entendeu. – Eu disse, colocando a mão no ombro de Pancop. – Vou chamar os reforços.
Os policias chegaram, cercaram a casa. A mídia. Familiares. Rachel escondeu o rosto com o casaco, e foi carregada, algemada, para dentro da viatura.
-Senhor Pancop, senhor Pancop!
Era um repórter
-Pode comentar alguma coisa sobre o caso?
Pancop olhou para as cameras, os flashes de luz, os microfones... E se permitiu um raro sorriso.

-Bem, vamos só dizer que a novinha não pode pagar a batida – Pancop acendeu um cigarro e colocou seu óculos escuro – E acabou abatida.