terça-feira, 21 de maio de 2013

Se eu fosse louco

Se eu fosse louco o dia ia durar pouco.
O caminho pro trabalho ia virar cenário da minha falta de lucidez. O metrô seria um trem, que só vai, nunca vem. Pra longe, pra bem longe onde tem rios, florestas, gente bonita e mais ninguém.
Ah, se eu fosse louco, ao menos só um pouco.
Minha casa ia virar palácio, tudo seria mais fácil. Os meus filmes de comédia favoritos, multiplicados a vários infinitos, virariam um bufão, e meu estéreo seria um músico fantasiado tocando um velho acordeão. As ligações para o meu celular iam todas acabar. Quem quiser me procurar que venha em pessoa e traga junto a própria corte e um vinho, ou arrume um pombo, pena e pergaminho.
Ser louco deve ser melhor do que ser são.
Mas então...
E meu velho violão? Viraria uma orquestra, com certeza. Ia ser uma beleza. Minha fender de madeira em mão, eu de pé na minha cama transformada em palco de apresentação e as paredes gritando como mil milhões de fãs disputando minha atenção.
Daria tudo pra perder um pouco, só um pouco dessa minha entediante razão.
Meus dias seriam bem mais divertidos. Segunda-feira eu ia ser pirata, terça dormir na mata e quarta acordaria um diplomata.
Na quinta iria para Irlanda, beber e arrumar briga. Sexta iria para a França com uma amiga. Sábado e Domingo eu passaria na Roma Antiga.
Ah, eu queria apenas uma vez, perder essa inflexível lucidez.
E fazer da poça d’água o Nilo, de minha velha cama um berço de ouro onde cochilo. Fazer dos filmes realidade, fazer reencontro da saudade, passado o que é presente e presente o que é ausente. Ouvir música no barulho da avenida, chorar de prazer com cada ferida, reescrever cada memória mal vivida e esquecer cada despedida.
Quando eu for louco e o mundo são, e a chuva chover pra cima e ouro brotar do chão, a vida vai ser melhor, eu sei. Quando o fogo apagar a água e o perdão for maior que a mágoa, eu sei. Quando “não” virar “sim” e os livros começarem pelo fim, eu sei, eu sei, o mundo vai ser um lugar melhor pra mim.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Feliz Aniversário




Fazer 23... E é o primeiro aniversário de vida adulta, com direito a diploma de faculdade, OAB e carteira assinada.
E você pensa o que? Quando ainda se sente o mesmo menino que aprendeu o Fá, o Fá Sustenido e Sol na tua guitarra velha, pra gravar os primeiros rascunhos do que viria a ser parte tão importante da tua vida, em um gravador de áudio do Windows 98...
E como você vive? Sabendo que, lá no fundo, ainda é o mesmo garoto que pedia pra ir no banheiro pra professora no meio da aula de desenho geométrico? E, vamos falar a verdade? Ninguém tinha vontade de ir no banheiro mesmo, a gente só queria dar uma volta no corredor da escola e fugir um pouco da aula...
E como manter a cara séria no dia a dia? Quando você percebe que, no fundo, ainda tem vontade de pedir direçã pro pai em cada bifurcação na estrada? Quando acorda com febre e ainda sente o impulso de bater na porta da mãe três vezes pra pedir pra não ir na escola, antes de lembrar que agora você mora sozinho e ninguém perdoa um dia de trabalho perdido por uma virose qualquer...
E agora? Agora que todo mundo cresceu e parece que você ficou?
Não esquenta, que ninguém cresceu não. Todo mundo mantém essa cara séria aí porque eles olham em volta e ta todo mundo de cara séria também, com cara de que ta sabendo o que ta fazendo. Mas ninguém sabe não, e se sobrar um leve sorriso, uma esticada no canto dos lábios, daquelas que o pessoal tentava esconder quando ia pra sala da diretora, cai todo mundo na gargalhada, se perguntando “o que a gente ta fazendo nesse mundo louco dos adultos?”.
Feliz aniversário, cara.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Entrevista de Emprego




-Pode sentar.
-Ahn... Aqui, essa cadeira mesmo?
-Tanto faz, qualquer uma.
-Ok, obrigado.
-Então. A gente ficou muito impressionado com o seu currículo. Formação excelente, curso no exterior, Etcétera...
-Ah, obrigado.
-Agora é a hora de a gente bater um papinho, falar um pouco de você, pra gente te conhecer melhor e tal.
-Entendi, entendi.
-Então, vamos lá. Eu vi aqui que você colocou “pró-ativo e interessado” no seu currículo.
-Sim, sim.
-Você pode descrever um pouco melhor essas qualidades? O que você entende como pró-atividade e interesse? Aonde você classifica isso na sua personalidade?
-Olha, eu gosto muito de ir atrás das coisas que eu gosto muito.
-Sei...
-...
-Mas, será que você pode ser um pouco mais específico?
-E eu tenho interesse nas coisas que eu acho interessante.
-Tá, legal.
-...
-Mas... Ok, vamos lá: você pode me dar um exemplo, na sua vida, de um momento em que você foi pró-ativo?
-Ah, sim. Beleza. Uma vez eu tava com vontade de comer Burger King.
-Legal, legal.
-E não tem nenhum Burger King perto da minha casa.
-Entendi.
-Eu peguei o carro e fui até o Burger King da Santo Amaro.
-Sei.
-...
-Mas...
-Da uns 8 quilômetros, quase. Da minha casa.
-Entendi.
-E eram umas cinco e pouco, isso. Bem na hora do rush.
-Hm.
-...
-Tá. Ok. Vamos falar um pouco da sua personalidade, então. Você se considera uma pessoa social?
-Ah, pra caramba. Eu gosto muito de conversar, faço amizade fácil, pode perguntar pra qualquer um.
-Legal, legal. Então você acha que vai se enturmar bem no ambiente de trabalho, aqui?
-Ah, não, não. Eu gosto de conversar no bar.
-Sei...
-Ou em casa, por Facebook e tal.
-Hm....
-Não vejo porque conversar com as pessoas daqui. Eu nem conheço elas. Só você. Você parece legal.
-Hm... Entendi. É, não é bem isso que eu tava falando.
-Sei.
-Mas vamos lá. E você se considera uma pessoa confiável? Honesta?
-Ah, sim, sim.
-Fala um pouco sobre isso.
-Eu sou confiável e honesto.
-...
-...
-Tem como você falar um pouco mais a respeito? Tipo, da um exemplo.
-Ah, tá, desculpa. Eu nunca desligo o jogo no FIFA online quando eu to perdendo.
-Sei, e... O que?
-No FIFA, do Playstation, sabe? Quando eu to perdendo, pode ser três a zero, quatro, cinco. Eu nunca desligo, eu jogo até o final.
-Hm.
-E quase ninguém faz isso. O pessoal sempre desliga, quando vê que ta perdendo.
-Tá, legal. Bacana. Eu... Isso. Ok. E, assim, vamos lá, o que você gosta de fazer?
-Ah, poxa, um monte de coisas. Eu gosto de ir no cinema, gosto de ouvir música. Eu gosto de ficar olhando piscina quando chove, sabe? Vendo as gotas batendo na água? Eu acho muito legal isso. Eu gosto de molhar bolacha no leite, de andar de bicicleta.
-Ah, que legal. Legal, legal. E você acha que vai gostar de trabalhar aqui?
-Ah, não.
-Não?
-Não, ninguém gosta de trabalhar, né?
-Ah, eu...
-Você gosta?
-Gosto, claro, o ambiente aqui é muito legal.
-Sabe um ambiente muito legal? A praia.
-Hm, bom, eu...
-Pizzarias.
-Certo, legal, foi bom falar...
-Casa de amigo em dia de jogo.
-Legal, certo. A gente vai entrar em contato, tudo bem? A Alice vai te levar até a porta. Alice!
-Pescar o queijo do sanduiche com batata frita.
-Eu... Oi?
-Pescar o queijo que sai pra fora do sanduiche com batata frita, sabe? Eu gosto disso também.
-Bacana. ALICE!