domingo, 7 de fevereiro de 2010

Entre Estações

Entre estações ele procurou um vagão. Cruzando a meia noite feito estrela-cadente, encontrou seu par naquele trem sujo e sem alma. Era de carga (o vagão), e, apoiada numa caixa de madeira levando isso que nem sei que é de um mundo triste pra outro mais ainda, ela olhava passar o mundo pela porta de correr aberta, ouvindo o vento chiar alto vez ou outra. Parado na porta, de começo só observou-a. Sentou-se ao seu lado. E sem uma palavra. Limitou-se a olhar o mundo como ela, naquele instante melancolico. Pelo quadro que se pintava a sua frente (a porta de correr aberta era a tela, o mundo, a arte) ele e ela se fundiram e, por um momento, foram um só, pois tudo que lhes era apresentado empiricamente era aquele quadro, aquele vento, aquele mundo, aquele trem, aquela caixa, e tudo que um era o outro era, e este pensamento o emocionou. Casas e campos eternos se estendiam pelo frio. Luzes de natal fora de tempo. Vidinhas apagadas naquele fim de mundo olhavam, os velhos curiosos olhavam da janela da fazenda, apontando o trem como quem aponta um Deus que desce nesta terra todo dia de passagem e ignora a tudo. Mas eram três da madrugada, as poucas mãos apontando e os poucos olhares curiosos para o trem eram silenciados pela agonizante solidão de ser o unico acordado na tua casa. Ele, menino da cidade, já tivera esta sensação. Imaginou-a amplificada por um campo sem fim, arvores e bosques e neve e um trem triste cortanto tudo isso e se sentiu maravilhosamente triste. Olhou para ela. Chorava em silencio, sem tirar os olhos da estrada. Sem tirar os olhos da estrada, deixava cair lagrimas de desespero existencial. Ou de amor. Ou de paixão. Ou de dor. Ou lágrimas, apenas lágrimas, pois sua vó lhe dizia sempre que se tivesse dar motivo para todas as suas dores, morreria da dor de não poder sofrer sem razão. E naquele unico instante, apesar de não saberem, o desejo deles foi o mesmo: Que a manhã nunca chegasse.