quarta-feira, 20 de março de 2013

O Grande Herói



E o grande herói colocou sua armadura, gravata e terno de fina costura, subiu em seu cavalo um ponto zero, talhado em metal e decorado com esmero, e se pois  a cavalgar.
Cavalgou estranhas terras, mais uma de tantas aventuras distantes, cruzando sem medo e com bravura, os semáforos da Avenida Bandeirantes.
Ao seu lado cavalgavam outros cavaleiros, em montarias pretas e cinzas e vermelhas, de toda cor, trocando cúmplices olhares entre reflexos do retrovisor.
E enfim chegou nosso herói ao destino da batalha, aos portões de seu castelo, que, todo espelhado, em mil andares, erguia-se imponente e belo. E nosso herói, sem jamais sentir-se impotente, colocou-se a subir seus andares, um a um, ao topo da mais alta torre.
E lá batalhou o dia inteiro, entre a terra e o céu, empunhando espada esferográfica, faca de grafite e escudo de borracha, contra monstros de papel. Do alto das mais altas pontes ao fundo do mais baixo poço, só embainhando sua espada para a hora de almoço.
Saiu em ponto em seu horário, deixando pra trás o palco de suas glórias e a promessa de um aumento de salário, e cavalgou rumo à sua casa, precisando descansar, ansiando encontrar a princesa resgatada, que de tão apaixonada, nem se lembra mais de amar. Mas se serve de consolo, prepara ainda um ótimo jantar.
Cansado e distraído, olhando com orgulho cada canto de seu lar (seu palácio de príncipe, sua mansão de guerreiro, seu quase principado com o aluguel quase atrasado), o herói foi se deitar.
E eis que pensou, com um pouco de tristeza, nessa vida sem beleza que leva um grande herói. Fechou os olhos, consciente da princesa que deitava ao seu lado, levemente conformado com esse reino em que já foi tudo conquistado. “Mas não tem problema”, pensou o herói, “amanhã é feriado”.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Encontro



Que bom te ver de novo, meu grande amor. E você também, hein? Escolheu logo esse ano, esse dia e esse lugar pra gente se encontrar. Ah, você ta rindo, achei que não ia lembrar, do dia em que veio me abraçar, naquela tarde meio esquisita e fria, eu não lembro mais o que eu fazia, sei que você me abraçou e disse que não podia, não podia, não podia me largar. Da pra acreditar? Foi hoje que a gente começou a namorar.
Olhando aqui em volta é fácil duvidar que tanto tempo passou... Ainda vai passar. Não sei conjugar verbo na memória, tenta me ajudar: passarala-ia? Ah, deixa pra lá.
E como será que você tá, lá no presente, bem longe da gente aqui? Eu virei engenheiro, trabalho o dia inteiro. Estranho trabalhar. Você fica o dia inteiro fazendo um monte de coisas e recebe dinheiro, e gasta em um monte de coisas e depois trabalha e ganha mais. E é isso aí. Não entendo direito também, mas todo mundo faz...
Mas eu já mudei de assunto, ando muito desligado. Não faz essa cara não, que foi? Eu sei, sempre fui, sempre vou ser, ainda sou... Foi um dos motivos pelos quais a gente terminou... Mas isso ta lá na frente, bem longe de acontecer, tenta esquecer, pensar em outra coisa mais legal. Como ta sua vida depois do colegial?
Se formou, afinal? Casou, teve filhos, separou? Não me olha assim, eu quero saber, poxa... Não é tristeza, é nostalgia, desse tempo nosso de alegria aqui em volta. É por isso que eu relembro, todo dia, dessa tarde de Dezembro que passou.
Olha ali! Do lado da sorveteria, a barraquinha de bijuteria! Você falou que não queria, mas eu fui lá e comprei o anel mais ridículo que achei, voltei, te entreguei e te falei...Não lembro o que eu falei, faz tanto tempo...Mas lembro que você respondeu “eu gostei!” antes de virar e falar “agora você vai ter que me aguentar...pra sempre.”
Podia ter sido, né? Pra sempre... Hoje, por exemplo, aqui, nesse dia nosso que passou. Porque a gente não ficou? Ficou pra sempre nesse dia? Mas não, o tempo teve que passar. O tempo enche o saco, né? Se eu pudesse, faria um Best of dos 10 melhores dias da minha vida e viveria eles em loop. Não em memória, como aqui, mas pra valer. Podia acontecer...
Enfim, eu tenho que voltar. O que? É, eu sei, eu sei, e você tem que ficar. Enfim, cuida bem das memórias aí, ok? Do barraquinha do anel, desse clima meio esquisito e frio, não quero perder nada disso. E cuida bem de você, também! Cada vez que eu volto você parece mais apagada, diferente, mudada e meio nublada. Não me deixa eu te esquecer (olha que frase estranha que essa coisa de memória faz aparecer), ok? Vou lá, preciso voltar pro escritório, já acabou minha hora de almoço. Tenta não sumir muito mais, da próxima vez que eu passar pra te ver, pode ser?
Beijo, querida!