sábado, 16 de fevereiro de 2013

Gigio



AGORA TODO MUNDO CALA A BOCA.
Nana não costumava falar durante as reuniões de família. Ficava quieta, no seu canto, as vezes sorria para algum comentário, abanava a cabeça, concordando, mas raramente falava. Dessa vez falou. No meio da discussão a respeito do novo reforço do Palmeiras, gritou:
-AGORA TODO MUNDO CALA A BOCA.
Nana olhou para o neto, Giovane, que segurava o garfo congelado, a boca aberta.
-Gigio, escuta, tem uma coisa que você precisa saber.
-Mamãe...- Começou Odair, pai de Gigio, mas Nana continuou.
-Ele precisa saber, Odair. Já faz quinze anos.
-Saber o que, vó? – Gigio colocara o garfo de volta no prato, curioso para saber o que a família havia escondido dele desde que nascera.
-Você não é filho do seus pais, Gigio.
-Mamãe, não! – Odair começou, mas Clara segurou a mão do marido. –Talvez Nana esteja certa, Odair. Ele ia descobrir eventualmente.
-Como assim eu não sou filho dos meus pais?
-Quando você tinha poucos dias, foi encontrado em uma lixeira perto de um hospital Gigio.
Silêncio na mesa. A família inteira evitava o olhar de Giovane, que olhava para a avó sem compreender.
-Meus pais me encontraram na lixeira de um hospital?
-Não. Foi uma enfermeira que te encontrou. Ela cuidou de você por seis meses, mas não tinha dinheiro para manter um filho, então, uma assistente social te levou para um orfanato, Gigio. – Nana falava, enquanto enchia outra taça de vinho.
-Vocês me adotaram de um orfanato? – Gigio perguntou, quase gritando, olhando para os pais.
-Não, um velho cientista armênio te adotou, ele precisava de um bebê para fazer experiências genéticas eugênicas. Você foi resgatado das mãos dele por um policial alguns meses depois. – Clara disse, enquanto se servia de mais batata.
-EU...O QUE? O VOVÔ ME SALVOU?
-Não, seu avô era militar, não policial. O policial te vendeu para um circo no seu aniversário de um ano. – Odair tentou evitar os olhos do filho enquanto falava.
-PARA UM CIRCO? EU, COMO...
-Um casal de malabaristas cuidou de você até o seu aniversário de três anos, quando um jovem casal foi visitar o circo e ficou comovido com aquele bebê, brincando num monte de estrume de elefante. – Clara olhou para Odair sorrindo, enquanto dizia essas palavras.
-Vocês...Eram vocês?
-Não. – Começou Augusto, o tio – Era um casal de viciados em crack. Eles te venderam por duzentos reais e um cachimbo usado.
-VOCÊS ME COMPRARAM? – Gigio gritou para os pais, ficando em pé.
-Não, você foi comprado por uma empresa de desinfetantes ilegal que usava gordura humana para fazer sabão. Por sorte, seu tio era fiscal da vigilância sanitária na época e te encontrou.
-E – Continuou Augusto – Como eu sabia que a Clara não podia ter filhos, conversei com ela e com o Odair e eles aceitaram te criar.
Silêncio na mesa. Nana serve-se de mais uma taça de vinho. Gigio parece em estado de choque. Lágrimas correm por seus olhos, mas ele não diz nada. De repente, se levanta e sai correndo para o quarto, gritando.
Por algum tempo, ninguém diz nada. Aos poucos, a família volta a comer. Após alguns minutos, o primo Cesar diz, de boca cheia – Quando a gente conta que era brincadeira?

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