quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Barata

A única memória que eu tenho da época em que meus pais eram casados envolve uma barata.Eu devia ter uns cinco ou seis anos.Lembro que estávamos eu, minha mãe e minha irmã em casa quando de repente alguém a avistou.Não me lembro quem, só lembro que minha mãe, que morre de medo de baratas, saiu correndo e gritando e pulou em cima do sofá.Minha irmã foi atrás e logo estavam as duas no sofá.Eu sai do meu quarto e, apesar de nunca ter tido medo de baratas, resolvi participar da festa e subi no sofá também.Ficamos ali esperando meu pai chegar, não faço idéia de quanto tempo.Finalmente ele apareceu, e essa é a parte que eu mais me lembro: Meu pai passando pela porta da cozinha, de jaleco branco e carregando uma pasta preta.
Não me lembro de mais nada.Suponho que ele tenha matado a barata, já que ninguém mais esta em cima do sofá.Sempre que posso penso nesse dia.Não porque tenha sido divertido ou engraçado, não lembro se foi.Mas é a única lembrança que tenho da minha família unida, e quero guardá-la comigo o tempo que for possível.
Depois que meu pai foi embora, sempre que uma barata aparecia, eu era encarregado de exterminá-la.Sempre tinha que interromper o que eu estava fazendo, seja jogando videogame ou brincando com meus carrinhos, para ir matar a barata.
Durante muitos anos isso me atormentou.Odiava ter que parar de brincar para ir matar baratas.E elas apareciam com cada vez mais freqüência.Primeiro uma vez por mês, depois duas, depois toda semana.Até que um dia percebi que não tinha mais tempo de brincar, passava o dia todo caçando baratas.Hoje já desenvolvi técnicas e acabo com elas muito mais rápido, mas nunca vou esquecer o quão difícil foi essa época da minha vida, em que tive que aprender a matar baratas sozinho, porque ninguém mais podia fazer isso por mim.
Não sei bem o que essa historia quer dizer, só sei que hoje, sempre que vejo uma barata, olho com inocência para a cozinha, na esperança de ver meu pai entrando pela porta, de jaleco branco e carregando sua pasta preta, pronto para matar todas as baratas que roubaram minha infância.

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