domingo, 23 de janeiro de 2011

De Sonhos Mal Acabados

Resolvi assistir a uns vídeos de minha infância. Minha tia, abençoada seja, comprou uma câmera lá pelo começo dos anos 90 para documentar os momentos de família daquela nova geração que acabava de ter filhos. Duvido que imaginasse que aquele menino cabeçudo e inquieto dos vídeos um dia ia pedir essas gravações emprestadas, buscando, no seu passado, a resposta para seu futuro. Pois minha tia, sem saber, documentou também os primeiros anos de minha vida. Mas eu peguei os vídeos e levei-os para casa. E voltei no tempo por uns segundos. Vi a casa de minha bisavó, que tinha um balanço complicado de montar, em que eu costumava brincar. Vi meu primo, hoje com 30 anos e trabalhando de gravata, inseguro e sorridente, do alto de seus doze anos. Vi meus pais, hoje tão distantes, dividindo um mesmo cômodo, nos olhos uma despreocupação que há muito tempo foi levada pelas responsabilidades da vida. Vi minhas bisavós, hoje falecidas, olhando ainda fascinadas para o mundo em volta, como o mesmo ar que olharam para este país ao chegar aqui no começo do século, em busca de sonhos e uma vida melhor. E, no meio disse tudo, me vi. Uma criança. Um menino de nem dois anos, andando meio atrapalhado, rindo de tudo.
Olhei bem nos olhos dele. Ele olhou bem nos meus. 1991 e 2010 separados por uma velha câmera. Eu pude quase sentir sua presença, perto de mim. Quem me dera! Teria tanto para lhe dizer.
E não me importa mais essa vida agora. Não me importa mais mil e uma desgraças que me aconteçam ou qualquer infelicidade que venha bater a minha porta. Não me importa, porque eu sei que, em alguma gaveta, em algum armário empoeirado, está lá. Esse pedaço de existência congelado no tempo. Um universo paralelo onde tudo é lindo e a vida é simples. Um mundo onde eu sou para sempre uma criança, sorridente e cabeçuda. Um mundo onde minhas bisavós ainda vivem. Um mundo onde meus pais ainda se amam. Um mundo onde meu primo ainda tem doze anos. Um mundo onde aquele velho balanço que ninguém sabia montar está lá. E quem vai dizer que não é real?
Você é feliz, menino Cesar. Para sempre. Divirta-se. Deixe as preocupações e as tristezas da vida para mim. Deixa comigo que eu cuido de tudo. Brinca com tuas bisas, corre pela casa. Curte tua família unida. Deixa o resto comigo. Estou aqui para cuidar de ti.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Boa Noite, Narciso


...e ele escreveu seu nome e, de repente, ela era real. Tinha nome, sobrenome, história, um rosto, um corpo e uma personalidade. Tão real quanto sua mulher, suas antigas namoradas. E era só dele.
“Diga que me ama” E ela dizia, a tinta contra o papel branco gritando: “Eu te amo.” De novo. “Eu te amo.” De novo. E de novo, e de novo.
“Eu quero o amor real. O amor puro, o amor dos livros e das poesias. E ele não existe. Mas você existe. Você entende, não entende?” E ela entendia.
“Eu odeio minha vida. Você é tudo que eu tenho.”
Dia após dia, eles tinham um encontro marcado. Depois que a casa inteira dormia ele ia para frente da maquina de escrever e ela estava esperando. Sempre. E dizia tudo que ele queria ouvir.
“Ela já não me ama. Meus filhos nem querem saber de mim. Mas você continua aqui. Porque você não vai embora?”
“Porque eu preciso de você, sem você eu não sou nada. Não sou ninguém. Sem você eu não falo, eu não sinto, eu não penso.”
Nunca tinha amado ninguém como amava aquela mulher. Aquela deusa.
“Qual o sentido da vida? Porque eu acordo para ir trabalhar todos os dias? O amor existe? Será que só eu me pergunto essas coisas?”
“Eu me pergunto também. Eu entendo você. Eu não acho respostas senão em você.”
“Diga que me ama. Eu te amo. Você me ama?”
“Amo. Eu sempre vou te amar.”
Nunca brigavam. Nunca. Nunca tiveram uma opinião contraria. Sempre concordavam em tudo. Ele sempre sabia o que ela iria dizer, era seguro, confortável, agradável. Ela via nele todas aquelas qualidades que ninguém mais via. Nem sua mulher, nem ninguém.
“Você tem olhos lindos, sabia, querido?”
“Tenho?”
“Tem. E uma criatividade maravilhosa, que nunca foi bem compreendida.”
“Eu te amo. Diz que me ama.”
“Eu te amo.”
“De novo.”
“Eu te amo.”
“De novo. De novo. De novo.”
Três horas da manhã e ele ali, sentado na maquina, conversando com ela.
“Que barulho foi esse?”
“Não sei, acho que minha mulher acordou. Vou dormir. Amanhã, mesmo horário?”
“Estarei esperando.”
“Boa noite, Linda.”
“Boa noite, Narciso.”

Entre Gênios e Loucos

Existe uma linha tênue entre a genialidade e a loucura. É verdade.
Existe uma linha, bem definida desta vez, entre o louco gênio, o louco que quer ser gênio e o que não é nenhum dos dois, mas insinua-se ora como uma coisa, ora como outra.
A genialidade não justifica a loucura, apenas a consola. Os que buscam consolo para a própria loucura numa inexistente genialidade esquecem que loucos podem não ser gênios, mas gênios sempre serão loucos. Mas a loucura carrega consigo um peso, dentro da sua própria leveza (Kundera, meu amor), e os loucos que não são gênios vasculham e vasculham dentro de suas mentes em busca de traços de uma genialidade que ajude-os a carregar essa insustentável leveza (perdão, Kundera, perdão) e, quando não a encontram, emulam esta e tentam exalar um ar de genialidade ao redor, para que o mundo inteiro suspire aliviado e perdoe suas loucuras.
E, claro, tem os que não são uma coisa nem outra, mas aspiram ser os dois. É que o louco gênio, visto de longe, é sensual. É erótico, apaixonante, um exemplo a ser seguido. Só os loucos entendem o horror de ser louco. O são aspira ser louco porque nunca o foi. E o louco, secretamente, sonha em ser são.
Mas o louco gênio não troca sua loucura. Ele odeia sua loucura, mas sabe que ela está terrível e irremediavelmente atrelada a sua genialidade. Um abraço eterno, imutável. E, por ter nascido louco e gênio, ele se agarra a toda aquela genialidade que tira o peso da loucura, e aquilo define tudo que faz sua vida valer a pena. Se não for mais louco, não precisa mais ser gênio, mas, de tanto que foi louco, se não for mais gênio, não sabe mais ser ninguém.
E assim, numa espiral de loucura e genialidade, vivem todos aqueles que conseguem fazer aquilo que os faz loucos e gênios, que afasta a sanidade e a mediocridade: ver o mundo de fora. Como um extraterrestre. Como Deus. Como Gênio. Como Louco. Como Nós.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Colombina

Longe da grande cidade
Ela espera o ano inteiro
Pelo mês de fevereiro
O carnaval leva a saudade

O homem que não volta mais
A vida que ficou pra trás
A busca eterna perdida
A procura de um pouco de paz

Dos bailes e da serpentina
Ela esquece da sua triste sina
E volta a ser menina, metida num
Velho trapo de colombina

E no fim da noite ela chora
Quando os principes já vão embora
Pros beijos doces de suas princesas

Pobre coitada a colombina
Que quer voltar a ser menina
E esquecer suas mil tristezas

Sozinha dança no velho salão
Delirante de tanta paixão
O pierrot que pede a sua mão
É luz e sombra, é só a ilusão

E assim se vai mais um carnaval
E tudo fica bem lá no final
Quando vem a luz do dia tão triste e fria
Perguntar o que fazia...

...a colombina e ela vai dizer
Que o show não pode mais parar
Que toda vida é pra viver
E todo sonho é pra sonhar

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Sol da Meia Noite

Era um tempo em que o tempo não importava. Uma corrida alucinante contra o nada, sem vencedores ou linha de chegada.
Eu e você, intrusos como o sol da meia noite, traziamos em nós o brilho errante que fazia da noite uma manhã de inverno.
Nos olhos teus eu via minha propria esperança, pouco a pouco dilacerada, uma idéia que vira um sonho, um sonho que vira passado, um passado
transformado em nada.

E mesmo assim procuro aquele olhar no escuro das madrugadas, tentando achar na tua imagem e na tua ausência, aquilo que perdi dentro de mim.
Não mais. Os olhos já refletem tão somente aquilo que eles vêem. O sol da meia noite fugiu, assustado com o brilho palido de uma lua desalmada.
Assim caminhamos, lado a lado, em estradas separadas, buscando reconstruir a narrativa de histórias de amor que nunca foram terminadas.
E tudo aquilo que ontem era tudo, hoje é nada.

Como a brasa incandescente e solitária, somos tudo que resta de uma chama que ha muito se apagou.
Coroando o toco de uma vela esquecida, um resto de pavio avermelhado, desenhando tristes
espirais de fumaça no vazio.

domingo, 18 de julho de 2010

O Homem que Viveu de Mais

No seu último dia de vida, ele acordou, tomou café e foi trabalhar.
Sentou na sua mesa, pegou seus papéis e escreveu, escreveu sem parar.
E trabalhou, trabalhou, trabalhou até o trabalho acabar.
E foi para casa, descansar.

Chegou em casa e sentou no sofá, olhou para o nada e começou a pensar.
Pensou na vida, pensou na morte, pensou em tudo aquilo que ia ficar.
Pensou, pensou, pensou em todas as pessoas que iriam chorar.
E foi para a rua, caminhar.

Caminhou pela rua sozinho e viu gente a sorrir e conversar
E pensou: "essa é a ultima vez que eu vou pensar"
Caminhou, caminhou, caminhou até não ter por onde mais passar
E voltou para casa para amar.

Viu sua mulher e seu filho pequeno na cozinha e chorou
Chorou de raiva e de inveja, e de saudade do futuro que chegou
Chorou, chorou, chorou por tudo aquilo que nunca experimentou
E foi para a cama se deitar.

E se deitou para dormir pensando nessa vida sem sentido e sem razão
E antes de dormir, olhou pro céu e pediu uma explicação
"Me da um sentido, um motivo, qualquer sombra de orientação"
E lá de cima o silêncio escureceu e entristeceu seu coração.

Fechou os olhos.
E antes do fim, pensou.
E talvez tenha sido, uma idéia ou resposta
para suas terríveis aflições.
Que são as mesmas,
Em tantos corações.

Mas já não se sabe o que foi,
Que passou por sua cabeça no final
Um pouco antes do dia clarear
Porque quem pensou,
Já não está aqui para contar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Antes, bem antes do sol nascer

E então, antes, bem antes do sol nascer, eles saíram. De carro. A cidade ficou para trás, pequenos pontos de luz no retrovisor.
Antes, bem antes do sol nascer, eles fugiram.
Fugiram das risadas. Fugiram do sexo. Fugiram do amor "eu-te-amo-para-sempre-enquanto-durar". Fugiram dos pais. Fugiram das anotações na mão em dia de prova.
Antes, bem antes do sol nascer, eles deixaram para trás tudo aquilo que não lhes era conveniente no mundo moderno. A saber, tudo.
Antes, bem antes do sol nascer.

Eles dirigiram, atravessaram a noite. Era tudo muito lindo e poético na cabeça dele. Ela dormia, não pensava em nada. Nem tinha como pensar. Antes, bem antes do sol nascer, ela já não existia. Nunca existiu. Antes, bem antes do sol nascer.

Ele sonhava mil e um sonhos para eles. Sonhos ridículos, absurdos. Casas escondidas no meio do nada, num oásis paradisíaco de amor e natureza. Ele sonhava acordado. Ela, dormindo, não sonhava. Nasceu antes, bem antes do sol nascer.

Mas eles ainda iriam dançar. Em uma noite fria de agosto, uma terça-feira monótona e estranha, um céu escuro e uma ou duas estrelas. E eles ali, morrendo de frio, dançando a beira-mar, em alguma praia esquecida por Deus. Ele sonhava com tudo isso, ela dormia. Antes, bem antes do sol nascer.

Tudo ficou para trás. O carro acelerava, passava um ou dois viajantes na beira da estrada. Nada mais do que uma luz na escuridão. Dirigia sozinho, isolado nesse mundo de prazeres e esquecimentos. De dias escuros e noites claras. Era tudo muito lindo.

Ela acordou. "Aonde vamos?"
"Vamos embora, meu amor, vamos embora."
Tudo estava bem. Ele iria morrer sozinho. Mas tudo estava bem. Ele escolheu não saber disso.

"Eu te amo."
Três palavras. Era mentira. Ele não se amava. Mas ao mesmo tempo, ele amava ela. Ela não amava ele, ele amava ela. Isso não fazia o menor sentido. Mas nada naquela louca noite parecia fazer sentido. Nada na vida dele nunca fez sentido, porque deveria começar agora?


Uma lágrima caiu.


No dia seguinte, alguns diriam que viram um carro vermelho passando rápido, e, dentro dele, um lunático dirigia perigosamente, rumando ao infinito. Antes, bem antes do sol nascer.

E nunca mais se ouviu falar daquele menino.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Noite

Que fascínio é esse que exerce a lua sobre mim?
Que sombrios sonhos e quimeras são esses que parecem se esconder por detrás de cada beco escuro, de cada rua solitária, de cada bêbado sonhador?
Que se esconde atrás de cada janela iluminada na calada das madrugadas, quando a vida inteira parece não mais que um delírio confuso na mente de um ninguém que dorme sob as estrelas, escondido sob o inverno em uma casa distante no meio de lugar nenhum?
Que paixão intensa é essa que me domina quando vem a escuridão, que me faz arder como um amante apaixonado?
Que se esconde atrás de cada olhar profundo, de cada cachorro de rua? Que se esconde atrás da noite?

O dia é alegre, o dia é eufórico. A noite é poética, romântica, alucinada. O dia revela. A noite esconde. O dia se oferece. A noite seduz. O dia é para todos. A noite, para poucos.

Que magia é essa que vem depois do por-do-sol, me fazendo amar de todo o meu coração tudo aquilo que um dia já amei?
E num suspiro em silêncio, eu tento sempre estender a minha mão, fazer da noite minha amante. Ela não rejeita ou me aprova. Só me olha com seus olhos, tristes e lindos, me seduz em silêncio, me deixa sem saber se me quer, não me quer ou me ignora.

Mas ela sempre volta. Quando o sol parece iluminar tudo aquilo que me aterroriza e me entristece, vem a noite me acolher. E eu me apaixono novamente, sempre, sempre.

A noite é o meu grande amor. Porque de tudo que amo e já amei nesta vida, para tudo aquilo e todos aqueles que já entreguei meu coração, que já jurei amor eterno, foi a noite, e somente a noite, que nunca falhou em vir quando eu chamei. Nunca.

domingo, 23 de maio de 2010

Noites de Inverno

Tem noites que te pegam de repente
Te olham de frente enfrentam tua mente
E você nem sabe mais o que sente

Tanta confusão emoção tanta gente
Tanta paixão e você assim tão carente
E você se sente, nem sabe, diferente

Você não pertence a esse estranho ambiente
Quer desaparecer, inconsequentemente
Na trilha de uma estrela cadente

Agente se sente tão triste e nem sabe porque
Agente nem sabe se existe e nem quer mais viver
E tudo parece errado e o tempo parece atrasado
Tudo parece errado e parece que o mundo te deixou de lado

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sophia e os Castelos

Quando Sophia foi à praia pela primeira vez, ficou fascinada com todos os castelos que as pessoas faziam na areia. Por toda parte, para todos os lados que olhava, Sophia via castelos. Todos a sua volta pareciam fazer a mesma coisa: construir castelos de areia.

Para não se sentir excluída, Sophia achou um canto, sentou-se, juntou um punhado de areia e começou a construir seu próprio castelo. Tão logo começou seu trabalho, reparou em algo engraçado. Algo que ninguém parecia ter notado. O mar. Sophia percebeu que o mar avançava em direção a areia. Em direção as pessoas. Em direção aos castelos. Será que ninguém percebia que, cedo ou tarde, o mar ia alcançar os castelos?

Sem querer estragar a brincadeira de todos, a menina balançou a cabeça e tentou esquecer das ondas que ameaçavam as construções. Mas, quanto mais trabalhava, mas tinha a sensação de que aquela era uma brincadeira muito boba e sem sentido. Porque perder todo esse tempo construindo um castelo que vai desmoronar?

Tentou avisar as pessoas. Mas ninguém queria ouvir. Alguns lhe falavam que construíam castelos somente para se distrair, alguns diziam que, se o castelo fosse grande o suficiente, o mar não iria destruí-lo e alguns simplesmente diziam que não havia mar algum e que ela deveria parar de pensar besteira. É verdade que uma velinha, ao ouvir Sophia falar do mar, olhou bem para a menina e falou: “Não é que você tem razão?” e foi embora da praia. Mas a maioria das pessoas não queria ouvir falar de mar nenhum.

Sem saber bem o que fazer, Sophia resolveu voltar para seu castelo. Construiu bonitas torres e um lindo muro e uma ponte grande e imponente. Passou horas construindo, mas, a cada segundo, Sophia sentia o mar chegando mais perto, e isso a enchia de temor.

Finalmente o mar derrubou um castelo. Sophia deu um grito de horror ao ver o que tinha acontecido. Mas ninguém mais notou. Ou ninguém pareceu notar. Todos estavam entretidos com seus próprios castelos, e ninguém queria saber do castelo dos outros.

Horrorizada, Sophia continuou trabalhando e tentou esquecer do mar. Mas, vez ou outra, olhava na direção do mar e podia vê-lo chegando, cada vez mais perto, cada vez mais ameaçador.

E assim foi o dia de Sophia na praia. No final, todos os castelos foram destruídos pelo mar e só sobrou o de Sophia. E então, Sophia não podia mais fingir que o mar não existia, e não podia mais fingir que seu castelo iria durar para sempre. E Sophia olhou para todos em volta e perguntou, em um grito:
“Porque vocês me deixaram construir esse castelo? Porque não me avisaram que ele estava fadado? Porque continuaram construindo os seus castelos quando sabiam muito bem que eles não iriam durar? Porque fizeram isso comigo?”

Ninguém respondeu.

domingo, 16 de maio de 2010

Um Grito na Noite

Quero sair desse mundo
Desse mundo de encontros e risadas
E festas intermináveis

Quero sair desse mundo
De sexo e de alegria
De fantasia e de euforia

Esse mundo sem poesia
De confiança e traição
Sem tédio e sem emoção

Esse mundo estranho e errado
Que caminha a passos largos
Em direção a perfeição

Esse mundo, não quero mais esse mundo
Que nunca me aceitou, nunca me quis
Não quero mais participar
Não quero saber dessa festa
Que ninguem me convidou

Se é para mudar, para se encaixar em alguma forma padronizada
E no resultado adicionar pequenos pedaços de personalidade partida
E chamar isso de individualização,
Eu? Eu digo não.

Me enojam esses sorrisos
Me enojam esse orgasmos
Me enoja esse gozo eterno
Esse desespero hedonista
Me enoja essa vida que tem de ser vivida
Do primeiro ao ultimo minuto
Intensamente


Não quero saber de seus amigos
Não quero saber de suas drogas
De seus encontros de seu namorado
Não quero saber de nada que você tem a oferecer
Você que vive, que dança, que aproveita,
Que absorve tudo ao seu redor
Se encheu tanto de vida e de prazer
Se encheu tanto de alegria e de paixão
Que perdeu tudo que tinha em você
Perdeu tudo que valia e não se importou

Valeu a pena?Valeu a pena? Ganhou
emoção, paixão e ilusão
Ganhou tudo isso
Mas em retorno, abriu mão de tua razão.
Que pena.
Valeu a pena?

sábado, 1 de maio de 2010

A Sina do Artista

A sina do artista é nunca apaixonar-se por um semelhante por completo. É viver fadado a estar sempre incompleto.
A sina do artista é nunca estar feliz quando não está só. A sina do artista é nunca não estar só.
A sina do artista é ser obrigado a respirar somente pela arte. A sina do artista está em viver sempre e somente pela arte.
A sina do artista é viver para sempre na platéia, assistindo a vida. A sina do artista é observar de longe, nunca e jamais entender a vida.
A sina do artista é ser todos, quando faz a sua arte. A sina do arista é ser ninguém, pois depois tudo vai embora e só sobra a arte.

A sina do artista é viver apaixonado, mas apaixonado por ninguém. Não entende como pode um ser comum apaixonar-se tão intensamente por outro ser qualquer. Pois o artista, o verdadeiro artista, aquele que nunca teve escolha, só consegue amar mesmo o conceito do amor. E é assim que vira artista. Assim que faz arte.

domingo, 25 de abril de 2010

Minha Arte Vazia

Quero um dia escrever
Uma poesia pra expor
Nada e coisa alguma
Pra dizer coisa nenhuma

Uma poesia sem mensagem
Sem contexto e sem imagem
Sem começo, meio ou fim
Um entendiante pedaço escrito
De mim

E quase ninguém vai ler
E quem ler não vai gostar
E quem gostar não vai entender
E quem entender vai odiar

Porque ela vai existir
No limite da existência
Sem conteudo, sem alma
Sem contexto e sem essência

Ela vai existir
Só por existir
Minha poesia,
Minha arte vazia,
Que um dia vou fazer
Pode ter certeza, vai ser
Como eu e você
Sem nunca entender
Porque existe
Sem nunca saber
Seu motivo de viver

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sophia e as Estrelas

Mais um da série "Aventuras de Sophia". Talvez eu publique um livro.

Não é meu melhor trabalho, mas, para um poeta semi-bebado as 4 da manhá, é uma vitória.


Foi uma fria noite de domingo que Sophia se apaixonou por uma estrela. Sem conseguir dormir, olhou para o céu e, naquele sem fim de estrelas, encontrou uma que parecia brilhar de uma forma especial, só para ela. E se apaixonou. Jurou amor eterno aquela linda estrela. Naquela noite, não dormiu. Pensava na estrela, deitada na cama, e, de vez em quando, ia até a janela e lá ficava, mirando o céu, namorando seu grande amor. Passaram-se dias, meses, e Sophia não pensava em outra coisa senão naquela estrela. Passou a odiar a manhã e a tarde. Contava os minutos para a noite chegar e poder encontrar-se novamente com seu grande amor. E como era correspondida! A estrela parecia brilhar mais a cada noite, iluminada por seu novo amor. Tinham encontro marcado todas às noites, às dez e meia, quando Sophia ia dormir, e, por muito tempo, a estrela não faltou em um encontro. Sophia também não.



Uma noite, a estrela não apareceu. Sophia esperou ansiosa, como sempre, o dia acabar. Mas chovera a tarde toda e de noite o céu surgiu, carregado de nuvens, e nada da estrela aparecer. A pobre menina não dormiu a noite toda. Levantava-se de dez em dez minutos para olhar a janela, esperando a estrela que não aparecia. Mas a manhã veio e a estrela não apareceu. Sophia dormiu, e a luz do sol da manhã iluminou seus olhos manchados de lagrimas, segundos antes de eles se fecharem.



Passou-se uma semana, e nada da estrela aparecer. Até que uma noite, Sophia, distraída, olhou para o céu. E lá estava sua linda estrela. E Sophia sorriu. Mas já não era o mesmo sorriso. E a estrela brilhou. Mas já não era o mesmo brilho.



Mais algum tempo se passou. A estrela faltou em alguns encontros. Sophia faltou em outros. Até que uma noite uma coisa muito estranha aconteceu. Sophia olhou para o céu e percebeu que ele estava cheio de estrelas. E todas elas brilhavam. Foi neste dia que Sophia percebeu que sua estrela não era especial, não brilhava mais do que as outras. Era apenas uma estrela, no meio de tantas outras. E Sophia se apaixonou novamente. Por outra estrela, esta sim, muito mais brilhante, muito mais bonita. E Sophia esqueceu de seu primeiro amor.



E assim foi para o resto de sua vida. Somente no fim, quando já tinha amado todas as estrelas do céu, foi que Sophia percebeu que buscava nas estrelas um brilho que não existia senão dentro dela. E Sophia entendeu finalmente o que é o amor.

domingo, 18 de abril de 2010

A Arte Existe

Ao poeta perguntaram: Porque você escreve?

Escrevo – Disse o poeta – Porque tentei trabalhar, e trabalhar não pude. Escrevo porque tentei respirar, e respirar não pude. Escrevo, meu colega, porque não sei não escrever. E tentei. Ah, como tentei. Mas dessas outras coisas da vida, nada sei. Nada sei de viver. Nada sei de sofrer. Nunca aprendi a sonhar, nunca aprendi a esquecer. Nunca aprendi a calar, não sei como viver. Amigo, meu querido amigo, eu escrevo porque, de todas as coisas da vida, de todas as coisas para se ver e se fazer, só sei mesmo é escrever.

E ao musico indagaram: Pra que servem estas notas?

Essas notas – Respondeu o musico – só me atrasam a vida. Desde menino me acompanham, aonde quer que eu vá. Essas notas que me seguem, comigo nasceram. Como queria, ah como queria, delas me livrar. Por uma vez não escutar, aonde quer que eu vá, essa musica a soar, em cada rua barulhenta, em cada uivo de cachorro, em cada pássaro a voar. Mas não foi me dada escolha, não posso escolher. Vivo para ouvir, não vivo por viver. E não conheço outra vida, senão a vida de musica e harmonia. De compasso e melodia. E tenho medo de descobrir, qualquer noite ou qualquer dia, que uma vida sem musica e sem notas, essa vida que eu queria, é cinza e é triste, sem amor ou alegria. Uma vida sem prazer, sem sofrer? Não. Fico com minha amarga sinfonia.

E perguntaram ao pintor: E os quadros e pinturas?

Esses quadros – Começou o pintor – São essenciais, e de utilidade infinitamente maior que qualquer nota, que qualquer palavra. Ah, meus quadros não são arte, não são feitos para os outros. Nesses quadros guardo quem eu sou, quando me perco na minha mente e transbordo e vou, vou, vou pra longe de mim mesmo. Guardo nesses quadros aquilo que não cabe mais no coração. Que escapa do desejo, que foge da paixão. Guardo nesses quadros toda e qualquer ilusão, desde que louca demais para ensejar a realidade. De verdade. Não, não faço arte. Meus quadros são tão meus quanto minha mente, minha alma e meu braço. Fazem parte, fazem parte.

“Pra que servem, então, as notas, as palavras, as pinturas? Pra que serve essa arte?” É o coro do mundo revoltado, voltando-se contra as almas perdidas desta vida, que escrevem, que pintam e que tocam justamente porque não sabem mais o que fazer, o que dizer. Justamente porque não tem pra onde ir senão para dentro de si mesmos, ou porque já foram para todos os lugares, ou porque não podem ir a nenhum. A arte existe como fim de si mesmo, como meio de seu fim e como começo de seu meio. A arte existe como forma de expressão daquilo que não pode ser expressado sem arte, ou porque é profundamente complexo, ou porque é ridiculamente simples.

A arte existe.