quarta-feira, 23 de junho de 2010

Antes, bem antes do sol nascer

E então, antes, bem antes do sol nascer, eles saíram. De carro. A cidade ficou para trás, pequenos pontos de luz no retrovisor.
Antes, bem antes do sol nascer, eles fugiram.
Fugiram das risadas. Fugiram do sexo. Fugiram do amor "eu-te-amo-para-sempre-enquanto-durar". Fugiram dos pais. Fugiram das anotações na mão em dia de prova.
Antes, bem antes do sol nascer, eles deixaram para trás tudo aquilo que não lhes era conveniente no mundo moderno. A saber, tudo.
Antes, bem antes do sol nascer.

Eles dirigiram, atravessaram a noite. Era tudo muito lindo e poético na cabeça dele. Ela dormia, não pensava em nada. Nem tinha como pensar. Antes, bem antes do sol nascer, ela já não existia. Nunca existiu. Antes, bem antes do sol nascer.

Ele sonhava mil e um sonhos para eles. Sonhos ridículos, absurdos. Casas escondidas no meio do nada, num oásis paradisíaco de amor e natureza. Ele sonhava acordado. Ela, dormindo, não sonhava. Nasceu antes, bem antes do sol nascer.

Mas eles ainda iriam dançar. Em uma noite fria de agosto, uma terça-feira monótona e estranha, um céu escuro e uma ou duas estrelas. E eles ali, morrendo de frio, dançando a beira-mar, em alguma praia esquecida por Deus. Ele sonhava com tudo isso, ela dormia. Antes, bem antes do sol nascer.

Tudo ficou para trás. O carro acelerava, passava um ou dois viajantes na beira da estrada. Nada mais do que uma luz na escuridão. Dirigia sozinho, isolado nesse mundo de prazeres e esquecimentos. De dias escuros e noites claras. Era tudo muito lindo.

Ela acordou. "Aonde vamos?"
"Vamos embora, meu amor, vamos embora."
Tudo estava bem. Ele iria morrer sozinho. Mas tudo estava bem. Ele escolheu não saber disso.

"Eu te amo."
Três palavras. Era mentira. Ele não se amava. Mas ao mesmo tempo, ele amava ela. Ela não amava ele, ele amava ela. Isso não fazia o menor sentido. Mas nada naquela louca noite parecia fazer sentido. Nada na vida dele nunca fez sentido, porque deveria começar agora?


Uma lágrima caiu.


No dia seguinte, alguns diriam que viram um carro vermelho passando rápido, e, dentro dele, um lunático dirigia perigosamente, rumando ao infinito. Antes, bem antes do sol nascer.

E nunca mais se ouviu falar daquele menino.

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