quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Estrada



(...)E eu sempre gostei de estradas, tem isso. Existe algo em uma estrada à noite, no prazer de se apoiar a cabeça no vidro de um ônibus e ver quilômetros e quilômetros de mato passando rápido por você, como num sonho. Nem uma alma a vista por horas e horas, só o barulho das pessoas dormindo, levantando para ir ao banheiro, virando páginas de suas revistas velhas. É poético, é bonito. É besta, eu sei, mas quando eu era criança e eu ia viajar, eu via aqueles descampados, aquelas florestas escuras, e eu ficava imaginando como seria se eu saísse do carro naquele momento e começasse a correr em direção a essa vastidão toda que eu via do outro lado da janela. Simplesmente correr e me perder naquela paisagem. Ficar ali pra sempre. Eu construiria uma cabaninha, faria uma fogueira no fim da noite e, sei lá, ficaria ali, sendo feliz. Às vezes eu ainda penso nessas coisas. Mas, acho que, se eu fosse fazer isso hoje em dia, levaria uma garrafa de alguma coisa. Whisky, ou até algumas cervejas. Sabe, só para o caso das coisas ficarem entediantes.(...)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Por que?

Por que dizer que me ama?
Se o amor é tão mais bonito a distancia

Por que me dizer teu nome?
Se podemos ser pra sempre só eu e você

Toda história que vale a pena ser ouvida tem seu fim
E ninguém sabe o que acontece depois
De felizes para sempre

Por que? Se nenhum por-do-sol é completo e tão bonito
Sem o anoitecer depois

Por que? Se não houver um retorno não existe uma partida
Não é viagem, é só a vida, todo dia é só a vida

E se nossa vida tem um fim, se nosso tudo vira nada
Por que pedir mais da nossa história?

Nenhum amor é tão completo e verdadeiro
Antes de vivar memória

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sing You To Sleep





He promissed her dreams
Like the ones from the books
That she read as a child
In front of the fire

He gave her romance
With the taste of champagne
A midnight kiss on the beach
Leaving footsteps behind

The look in her eyes
When he told her goodbye
Was like fire underwater
Burning despite the absurd

Now when she comes
To her old empty house
No kisses, no dreams
Greet her at the door

And she says she's ok
And he's out of her mind
Found a man she could trust
And left his memory behind

But to this day she can't hear
That song that he sang
Everynight by her side
Just before she would sleep

I heard he's sorry he left
And life hasn't been sweet
And that he misses those days
When he would sing her to sleep

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Loveless Dance


If only there was a way back on this road
If only I could remember
Every wrong turn we took together
I'd lead us back

Is there a place where the broken love songs
And stories and hearts go
When no one wants them anymore?
Will our kisses all wind up there?

So don't think about a thing baby
Just stay here, pretend you still love me
I'll pretend I still love you
One more time, one more time

So we keep this dance, just for us
I'm not hoping love will come back
It's gone for good I know
I just need a memory

To justify my smiles and my joy
In a few a years, seems so wrong
To be alright without you
To go on and find happiness, somewhere else

So we keep this dance, this loveless dance
As a token, a broken picture of our love
That we can take a look every now and then
When it's over, and say it was worthed, while it was

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Bonde/Sonhos

Foi num bonde que cruzava essa mesma praça
Que eu a vi partir
Meio sorriso, meio choro, ensaiando um desespero
Que estava ainda por vir

Sonhamos uma vida juntos toda noite todo dia
Para sempre e até o fim
Mas qualquer dia sem eu perceber ela pegou no sono
E deu pra sonhar sem mim

E foi acalentando aqueles sonhos tão pequenos, tão miudos
Que sonhou pra si e só pra si
E os meus sonhos eram todos dela,mas os dela eram só dela
Como foi que eu não vi?

Depois que ela se foi me vi tão solto e tão perdido
Sem saber o que fazer
Com todos esses sonhos que ela não quis mais
Que eu criei e vi crescer

Um a um fui vendo eles cairem, doentes, moribundos, sem carinho e sem amor
Negados pela mãe, esquecidos para o pai
E não sobrou nenhum motivo pra fechar os olhos
Quando escurece e a noite cai

E hoje eu espero esse bonde, que faz tempo não existe mais
Cruzar essa mesma praça, esse mesmo lugar
E trazer de volta para mim, depois de anos e anos sem fim
Os sonhos que eu tanto quis sonhar

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Voltar


Um dia ele saiu e demorou para voltar
Eu disse, preocupada ao ver ele chegar
Meu amor, meu amor só me prometa
Que nunca vai me abandonar

Ele riu, olhou pra mim e disse "pare de chorar"
E disse me abraçando "sempre que me ver partindo
Pode ter certeza, certeza
Eu sempre vou voltar"

Voltar para teus braços,
Teu jantar na nossa mesa
Nossos filhos, nossa vida
Você pode ter certeza

Voltar para teu olhos
Meu futebol, tua novela
Se eu vou embora, meu amor
Eu volto, só me espera

Por isso, moço, me perdoe
Mas essa dança, eu não posso lhe dar
Estou jurada, prometida
Esperando ele chegar

Não adianta, não tem jeito
Eu sei que ainda vai ele voltar
Muitos anos, se passaram, eu sei
Mas ele me disse pra esperar

domingo, 20 de maio de 2012

#1

Jamais a tua presença
Foi tão presente
Quanto hoje é tua ausência

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Era uma vez...


Era uma vez uma rainha muito, muito bela, porém, muito triste. Ela era senhora de todo um reino grande e vasto e sua beleza causava inveja em todas as mulheres e desejo em todos os homens, porém, ela não podia ser feliz. Acontece que esta rainha sofria de uma séria condição mental, que só foi diagnosticada e classificada muito anos depois de sua morte, chamada Transtorno de Personalidade Narcisista. A pobre rainha era terrivelmente insegura, e lhe causava imenso mal estar e tristeza pensar que alguém poderia ser mais bonita que ela. Ela precisava ser a mulher mais bonita de seu reino, era a única forma de conseguir ser feliz. Olhava as pessoas comuns, fazendo compras, andando pelas ruas, e pensava: “Porque eu não posso ser assim? Porque eu não posso ser feliz com o que sou? Porque eu preciso ser vista como a mais bela de todas, para não chorar todas as noites?” Ela não sabia que era uma pessoa doente, por isso, nunca soube que esses pensamentos não eram sua culpa.
Grande parte do sofrimento desta rainha era culpa de uma garota que vivia em seu reino, Branca de Neve. Branca de Neve era a única mulher mais bonita que a rainha, em todo o reino. E, apesar de estar plenamente consciente da deficiência de sua rainha, Branca de Neve insistia em exibir sua beleza aonde quer que passasse, seduzindo os homens, andando em roupas provocativas, fazendo o possível para aparecer mais do que a rainha, apesar de não sofrer da mesma horrível condição mental que sua rival. Por anos, a rainha aguentou calada, chorando noites sem fim por seu destino cruel, porém, sem nunca tentar nada contra Branca de Neve, apesar do tanto que sofria por conta dela. Um dia, em uma crise horrível de ciúmes e tristeza, a rainha não aguentou mais, e, cansada de viver lutando contra sua mente perturbada, mandou matar Branca de Neve. Para isso, enviou seu único amigo do reino (afinal, as pessoas tinham medo de se aproximar da “rainha louca”), um caçador das redondezas.
Qual não foi a decepção da rainha quando descobriu que a única pessoa que podia confiar, o único amigo que teve no reino (ao contrário de Branca de Neve, que era muito popular), traiu sua confiança, e não matou Branca de Neve? Branca de Neve havia, por conta própria, levado sua relativamente controlável condição mental a completa loucura, fazendo com que a rainha cometesse atos que outrora considerava impensável, como assassinato, e, além disso, seduzira e roubara o único amigo que a rainha jamais tivera em todos os seus tristes anos de vida.
Completamente perturbada, a rainha descobre que Branca de Neve está vivendo escondida, na floresta (mas não sem a companhia de sete “amigos”, que dividem a casa com ela), e, desesperada, resolve fazer um feitiço para transformar-se numa velha vendedora de frutas, para, assim, entregar uma maça envenenada para Branca de Neve, e, em seu delírio, finalmente conseguir ser feliz (fica claro, neste ponto da história, que Branca de Neve já havia levado a relativamente sã rainha a completa demência, pois em nenhum momento lhe ocorreu que, mesmo matando a garota, a rainha continuaria sendo uma velha horrível, e, nem de longe, a mulher mais atraente do reino).
Mas a pobre história de desgraça e traição da rainha não acaba aí. Seu plano para tirar de vez Branca de Neve se sua vida e poder finalmente ser feliz falha, pois Branca de Neve, ao invés de morrer, apenas cai em um sono profundo (da qual é rapidamente tirada por, que surpresa, mais um homem). Delirante e doente, a rainha vai embora gritando e cantando frases sem sentido, mas nem assim pode ter paz. Os sete amigos de Branca de Neve a encontram, andando sem rumo pela floresta, e, ao invés de levarem-na para um hospital ou casa de repouso, perseguem-na implacavelmente até um penhasco. Completamente louca, destruída e corrompida pela tristeza e pela culpa, horrivelmente deformada por seu feitiço, a uma vez bela e feliz rainha cai para o abismo em direção ao triste fim que lhe foi reservado por Branca de Neve, que viveu feliz para sempre por muitos e muitos anos com seu príncipe e seus amigos assassinos, sem nunca olhar para trás ou se arrepender pelas coisas que fez com sua rainha.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Agridoce

-E você superou completamente?

-Completamente.

-Assim? De um dia pro outro? Sem mais nem menos?

-Sem mais nem menos. Quer dizer, sem mais nem menos não. É só que eu percebi que esse vazio, esse falta que ela faz, isso não vai embora. Isso ficou dentro de mim e essa é a herança que eu tenho dessa pessoa que um dia foi tão importante pra mim. E, por mais que a sensação nunca deixe de ser...não é ruim a palavra...melancólica. Por mais que a sensação nunca deixe de ser melanc...agridoce! Nunca deixe de ser agridoce, a forma como eu me sinto em relação à sensação mudou. Parei de ver como um intruso, um inimigo, algo que me faz mal. Agora é só algo dela que ficou em mim, um pedaço, mais que uma lembrança, um verdadeiro pedaço de existência dela que eu vou guardar pra sempre dentro de mim. Em todas as noites que vão se seguir na minha vida, eu vou acordar sem ela lá, mas esse agridoce, essa sensação sem nome que vem quando eu penso nela, vai me trazer seu abraço, seu cheiro, o jeito como sua mão procurava meu corpo durante o sono, seus olhos de inocência quando acordava. Tudo isso está ali, no meio desse agridoce sem nome. É um absurdo pensar nisso como uma coisa ruim. Todas as alegrias e tristezas do nosso tempo juntos estão ali, dentro dessa sensação. Viu? Por isso agridoce! Tristezas e alegrias! Tudo isso está guardado pra sempre dentro de mim, um pedaço dela que se juntou a um pedaço meu pra se transformar em uma coisa nova, uma coisa sem nome, uma coisa linda que vive dentro dela e vive dentro de mim. E sempre vai viver.

-Seus olhos estão vermelhos.

-Pede outra cerveja. E vamos falar de futebol.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Metalinguisticas

Escrevia textos e mandava pra ela. Pequenas fábulas de amor. Confissões, na verdade, que ele não tinha coragem de falar abertamente. Ela lia e dizia que gostava, sem entender que as histórias eram cartas de amor disfarçadas. Um dia, ele tomou coragem e resolveu abrir o jogo. Mandou um conto pra ela, que era mais ou menos assim:


Existia um garota, e um garoto apaixonado por ela. Ele vivia escrevendo histórias de amor e ela vivia lendo-as, sem nunca entender quem era a verdadeira estrela de sua literatura. Um dia, o garoto tomou coragem e mandou uma história diferente. Uma história de um garoto que escrevia textos de amor para a garota que amava, porque não tinha coragem de se declarar. Ele espera uma resposta.


Quando leu o texto, a menina ficou encantada, porque a verdade é que ela sempre gostou dele, mas também nunca teve coragem de falar nada. Se imaginava a estrela de todas as lindas histórias de amor que ele escrevia, mas nunca supôs que de fato fosse! Animada, resolveu continuar a brincadeira e mandou um texto para o garoto:



Existia um garoto, e uma garota apaixonada por ele. Ele vivia escrevendo histórias de amor e ela viva lendo-as, sem nunca entender quem era a verdadeira estrela de sua literatura. Um dia, o garoto tomou coragem e mandou uma história diferente. Uma história de um garoto que escrevia textos de amor para a garota que amava, porque não tinha coragem de se declarar. E ela resolveu responder. Escreveu uma história sobre uma garota que amava um garoto, e, quando descobriu que ele também a amava, foi correndo até a casa dele, tocou a campainha e esperou que ele saísse e a tomasse nos braços e beijasse sua boca.



Quando leu a história da menina, o garoto ficou encantado, não só com o fato de seu amor ser correspondido, mas também com as habilidades literárias até então desconhecidas de seu grande amor. Animado, pegou a caneta e começou:



Existia um garoto, e uma garota apaixonada por ele. Quando ela descobriu que o amor era recíproco, resolveu bater na porta na casa dele, esperando que ele a tomasse nos braços e beijasse sua boca.

Quando abriu a porta e viu aquela menina linda, o amor da sua vida, ele abriu um grande sorriso e disse:

-Eu te amo, estou tão feliz que você está a...

-Perai. – Respondeu a menina, subitamente.

-O que foi?

-Isso não é real.- Ela olhava em volta, confusa, como se algo estivesse muito errado.

-Como assim, não é real?

-Isso aqui não é a vida real. A gente está na história do menino.

-História do menino? – Ele, agora, olhava em volta, também confuso.

-É. O menino escreveu uma história sobre um menino que escreve uma declaração de amor em forma de história para a menina, certo?

-Certo, certo.

-Então a menina respondeu, e escreveu a história de uma menina que recebe do menino um texto, que conta a história de um menino que escreveu uma história sobre um menino que se declara para uma menina através de uma história, e ela resolve bater na porta dele para que ele saísse e a tomasse nos braços e beijasse sua boca.

-Então...A gente está na história da menina, não?

-Não, não – Ela parecia agitada, agora – Porque o menino respondeu. Essa é a resposta do menino. O menino recebeu uma resposta para sua declaração e resolveu escrever uma história. É essa a história que a gente está agora.

-Meu Deus. – Ele estava muito confuso agora.

-Precisamos sair daqui, rápido, vem comigo.



-Pronto, aqui acho que estamos seguros. – Disse ela, segurando sua mão.

-Que lugar é esse? Não parece a vida real. – Ele começou a olhar em volta e, de repente, exclamou – Ah, não, isso aqui é o jardim da minha casa! A gente está na história da menina!

-A história da menina? A da campainha, da porta e do beijo?

-Isso, isso! Olha só, aquela ali é a porta da minha casa. – Disse ele, apontando para frente.

-E agora? O que a gente faz? Precisamos sair ficção, precisamos ir para a vida real!

-Eu tenho uma idéia, rápido, por aqui.



-Onde estamos agora? – Perguntou ela.

-Eu não sei. Parece um quarto, está tudo muito escuro. Deixa eu acender a luz.

Ela piscou algumas vezes, olhou em volta e deu um pequeno grito de alegria. – Esse aqui é o meu quarto! Acho que agora estamos na vida real!

Mas ele não parecia convencido. – Espera...Tem alguma coisa estranha ainda. – Ele olhou em volta, e de repente apontou para um canto do quarto. – Nada disso! Olha só aquela escrivaninha com um papel e uma caneta! Essa aqui é a primeira história da menina!

-Primeira história?

-É, lembra da resposta da menina? Não era sobre uma menina que recebe uma declaração e vai tocar a campainha do menino. Era sobre uma menina que escreve a história de uma menina que recebe uma declaração e vai tocar a campainha do menino! Essa é a história que a gente está! Por isso a escrivaninha. Você deveria estar sentada ali escrevendo sua história. E eu nem deveria estar aqui!

-Meu Deus, e agora?

-Vem comigo!

Ela fez menção de ir, mas de repente parou. – Espera.

-Espera o que, a gente precisa sair daqui!

-Precisa mesmo? Eu nem lembro se gostava de você na vida real. Vai que foi só algo que você escreveu?

-Oras, se é assim, eu não sei se gosto de você na vida real também. Pode ser tudo coisa de um texto seu.

-Então porque a gente não fica por aqui, mesmo?

-Por aqui?

-Vem comigo. – E ela puxou o menino pelas mãos e o levou até a escrivaninha. Sentou-se e, com ele em pé ao lado, pegou a caneta e disse – Vamos passear por aí.

E começou a escrever a história de um menino que faz uma declaração para uma menina, que responde com uma história sobre uma menina que escreve um texto sobre uma menina que ama um menino, e então...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Ele/Ela

Ele pensava: “O amor perfeito é o amor do salgado folheado. Ninguém consegue comer um folheado sem parecer um completo imbecil, babando pedaços de massa para todos os lados e acabando com o rosto e camisa completamente sujo de migalhas. Se você consegue comer um folheado na frente da pessoa que você ama, sem nenhum tipo de vergonha ou inibição, você encontrou o amor perfeito.”
Ela pensava: “Amor de verdade é ligar a torneira enquanto usa o banheiro, pra disfarçar o barulho.”
Ele pensava: “Um dia perfeito? Um filme ruim, uma cama e salgadinhos requentados.”
Ela pensava: “Um jantar, no dia dos namorados, restaurante a beira-mar, numa cidadezinha rústica, mas chique nos seus próprios termos. Peixe, salmão de preferência. Discutimos sobre a questão da bebida. Ele quer vinho branco, eu digo que é pra fazer pose e peço um refrigerante de laranja. Ele diz que eu não tenho modos, que nunca seria uma princesa, eu digo que primeiro preciso achar um príncipe. Ele ri, se inclina na mesa e me da um beijo. Não um beijo de cinema, inesquecível e intenso. Um leve roçar de lábios, que contém todo o tempo que nós passamos juntos e se amamos. O peixe chega, ele derruba molho na camisa, eu dou risada e ele finge estar bravo, levemente envergonhado. Chegando em casa, durmo em seus braços na sala, assistindo alguma besteira americana na TV a cabo.
Ele pensa: “Amar pra sempre é uma ilusão. Amor perfeito sempre tem fim. O fim de um amor é parte dele. E não uma parte qualquer, a parte essencial. Um amor se define pelo fim. Nenhum amor eterno é completo. Falta a nostalgia, a lembrança, a saudade, a idealização daquilo que um dia existiu. O único amor ideal é o idealizado, começa a partir do que aconteceu e se completa naquilo que se imaginou.
Ela pensa: “Se a morte não os separou, não foi amor de verdade.”
Ele pensa: “Sexo é só corpo com corpo, não precisa de amor. Mas com amor fica melhor, todo mundo sabe. São coisas diferentes, na verdade, né? Sexo sem amor, sexo com amor. Eu prefiro com, mas não nego se for sem, poxa.”
Ela também.
Ele pensa: “Uma tarde chuvosa, uma musica lenta, um velho quarto de hotel, uma dança a luz de velas. Um filme passando em uma televisão velha ali do lado, sem som, só fazendo companhia para nós dois.”
Ela pensa: “Não gosto de tardes chuvosas. Mas beijo na chuva é legal. Deve ser, nunca fiz. Agora estou triste, não quero mais pensar nisso.”
Ele pensa: “Não existe vida após a morte. Não faz sentido fazer nada aqui na Terra, porque um dia tudo vai acabar. Só vale a pena viver, deixar as coisas acontecerem e tentar ao máximo se distrair e esquecer o absurdo que é estar vivo em um universo completamente indiferente a nossa consciência errante.”
Ela pensa: “Não existe vida após a morte. É isso que me faz levantar todos os dias e tentar aproveitar ao máximo a vida, cada segundo, cada minuto de cada dia. Deus me livre, viver tudo isso eternamente? Ou então ir pro céu, ou reencarnar, ou o raio que o parta. Que sentido faria buscar as coisas que eu gosto na vida, se a vida é só um ensaio pro que a de vir? Ainda bem que um dia vamos todos morrer.
Ele pensa: “Preciso arrumar o que fazer. Não da mais pra ficar passando todo Sabado a noite em casa, bebendo e pensando na vida.”
Ela pensa: “Preciso mudar de vida. Não da mais pra ficar indo em festa todo Sabado a noite e ficar pensando na vida em vez de me divertir.”
Pena que nunca se conheceram.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Amores

Teve aquele moço que, numa noite de terça-feira, sonhou com uma linda mulher em um vestido branco e resolveu viajar o mundo a procura dela.
Não sei que fim levou. Largou mulher, filhos, emprego, tudo. Hoje passa os dias indo de cidade em cidade, perguntando em cada esquina por uma mulher de branco, com umas orelhas meio de abano saindo pelo cabelo e os dentes da frente levemente separados.
Tem também o escritor que, cansado dos romances fracassados, resolveu sentar e escrever a mulher perfeita. Achava que seus livros fracassavam porque as mulheres da história não tinham o apelo certo, não seduziam nem apaixonavam o leitor. Passou três anos só desenvolvendo a personagem, cada traço, cada trejeito, tudo. No final, se apaixonou por ela. Dizem que são felizes, até hoje.
E o sujeito que se matou pra ir de encontro a namorada, falecida num acidente de carro?
Chegou no céu e descobriu que ela já estava com outro. Passou semanas em depressão. Um dia não agüentou mais. Reencarnou.
Teve o outro que uma vez usou um terno tão bonito, mas tão bonito, que quando se olhou no espelho virou gay. Descobriu que nunca acharia uma mulher tão bonita quanto ele naquele terno. Esse não sei que fim levou, mas dizem por aí que está bem de vida, mora sozinho, tem dinheiro e vive rindo a toa.
A moça que se apaixonou por dois homens, também. Não sabia qual escolher, passava um dia com cada, e, quando deitava na cama com um, pensava no outro. Ficou assim por anos, sem conseguir decidir. No final, descobriu que cada um deles também tinha outra, e hoje em dia moram os cinco juntos, e dizem que as festas na casa deles são muito boas.
O que se apaixonou por um momento? Esse, coitado, é triste até hoje. Namorava a menina, o namoro já estava pra acabar, mas um dia, na saída de uma festa, a manga do vestido caiu um pouco pelo braço, relevando um ombro nu, ao mesmo tempo em que ela virava o corpo e levantava a perna esquerda para trás, pra arrumar o salto, e o coitado se perdeu no momento. Pediu ela em casamento, comprou casa, tudo. Passa a vida esperando um momento que nem aquele.
Teve o musico também, que todo dia escreve uma valsa pra mesma mulher. Já tem mais de oitenta valsas. Só falta encontrar a mulher.
Esquisito foi aquele lá, que se apaixonou pela paciente. Passavam horas conversando, ela contando da vida dela, ele ouvindo. Toda semana, no mesmo dia, no mesmo horário. Um dia ele se decidiu, largou a família, abandonou a psiquiatria e foi viver com ela no quarto do manicômio.
E o casal de velhinhos? Tiveram um casamento arranjado, passaram a vida inteira juntos a contragosto. Nem se falavam. Jantavam em silêncio, ela via novela, ele lia o jornal. Passaram quarenta anos morando juntos, se ignorando em completa harmonia. Semana passada descobriram que se amam. Deu uma confusão danada. Parece que até sexo começaram a fazer.
E teve o garoto que descobriu que a namorada tinha um caso com o melhor amigo. Dez anos depois, ficou milionário e se mudou pra Paris. Só de birra.
O mundo é um dos piores lugares do mundo pra se apaixonar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Santos No 3 (a dançarina)

Ela dança uma melodia
Que só ela sabe ouvir
Entre a angustia e a euforia
De não saber a nota a vir

Se rodopia solitária
Sozinha se enlaça
Indignando ao seu redor
Essa gente tão sem graça

Meio erótica, seduzindo
Vai deixando-se levar
Se afastando, as vezes rindo
Pra depois se aproximar

Tecendo um tango ao som de bossa nova
Um bolero rock n roll
Puxando gente pra dançar
Depois que a musica acabou

E as vezes parece meio perdida, essa menina
Vez ou outra seu olhar tão confiante vacila
E se revela assustado, errante, carente, sozinho
E quase ninguém vê...

Mas continua a sua dança, com esse jeito de criança
Meio menina ou mulher, sem saber bem o que é
Esperando um dia, talvez, quem sabe, por que não?
Achar o ritmo certo, e encaixar seus passos na canção

Santos No 2 (trem da meia noite)

Lá longe
Bem pra lá do por-do-sol
Ele vem
apitando e chamando quem vem

Quem vem pro trem da meia noite
Esperando qualquer coisa
Nova nessa vida
Sem memória e sem história
E sem amor

Lá no horizonte
Bem longe da felicidade
Ele vem
apitando e chamando quem vem

Quem vem pro trem da meia noite
Esperando um sorriso
Há muito já perdido
Nas estradas e nas curvas
Desse trem

Santos No 1

E de repente, quem sabe
A gente não se encontra
Numa tarde fria e chuvosa
Nas esquinas de Paris

Ou então, melhor ainda, minha linda
Será que a gente não se encontra
No lançamento daquele livro ou daquele filme
Que eu falei, falei e nunca fiz

Quem sabe numa meia noite qualquer
Num boteco aí da vida
Eu não cruze o olhar com o teu
Quem sabe, minha querida?

E aí a gente volta um pouco pro passado
Cruza a madrugada de braço dado
E eu faço juras de amor, sem verdade alguma
Antes que você suma

E de manhã tudo volta ao normal
Minha esposa, minha vida banal
E você vai pra esse lugar aí que eu não sei
Porque eu já procurei, procurei, olhei e vasculhei
O mundo inteiro a tua procura
E nunca mais te achei