sábado, 11 de fevereiro de 2012

Ele/Ela

Ele pensava: “O amor perfeito é o amor do salgado folheado. Ninguém consegue comer um folheado sem parecer um completo imbecil, babando pedaços de massa para todos os lados e acabando com o rosto e camisa completamente sujo de migalhas. Se você consegue comer um folheado na frente da pessoa que você ama, sem nenhum tipo de vergonha ou inibição, você encontrou o amor perfeito.”
Ela pensava: “Amor de verdade é ligar a torneira enquanto usa o banheiro, pra disfarçar o barulho.”
Ele pensava: “Um dia perfeito? Um filme ruim, uma cama e salgadinhos requentados.”
Ela pensava: “Um jantar, no dia dos namorados, restaurante a beira-mar, numa cidadezinha rústica, mas chique nos seus próprios termos. Peixe, salmão de preferência. Discutimos sobre a questão da bebida. Ele quer vinho branco, eu digo que é pra fazer pose e peço um refrigerante de laranja. Ele diz que eu não tenho modos, que nunca seria uma princesa, eu digo que primeiro preciso achar um príncipe. Ele ri, se inclina na mesa e me da um beijo. Não um beijo de cinema, inesquecível e intenso. Um leve roçar de lábios, que contém todo o tempo que nós passamos juntos e se amamos. O peixe chega, ele derruba molho na camisa, eu dou risada e ele finge estar bravo, levemente envergonhado. Chegando em casa, durmo em seus braços na sala, assistindo alguma besteira americana na TV a cabo.
Ele pensa: “Amar pra sempre é uma ilusão. Amor perfeito sempre tem fim. O fim de um amor é parte dele. E não uma parte qualquer, a parte essencial. Um amor se define pelo fim. Nenhum amor eterno é completo. Falta a nostalgia, a lembrança, a saudade, a idealização daquilo que um dia existiu. O único amor ideal é o idealizado, começa a partir do que aconteceu e se completa naquilo que se imaginou.
Ela pensa: “Se a morte não os separou, não foi amor de verdade.”
Ele pensa: “Sexo é só corpo com corpo, não precisa de amor. Mas com amor fica melhor, todo mundo sabe. São coisas diferentes, na verdade, né? Sexo sem amor, sexo com amor. Eu prefiro com, mas não nego se for sem, poxa.”
Ela também.
Ele pensa: “Uma tarde chuvosa, uma musica lenta, um velho quarto de hotel, uma dança a luz de velas. Um filme passando em uma televisão velha ali do lado, sem som, só fazendo companhia para nós dois.”
Ela pensa: “Não gosto de tardes chuvosas. Mas beijo na chuva é legal. Deve ser, nunca fiz. Agora estou triste, não quero mais pensar nisso.”
Ele pensa: “Não existe vida após a morte. Não faz sentido fazer nada aqui na Terra, porque um dia tudo vai acabar. Só vale a pena viver, deixar as coisas acontecerem e tentar ao máximo se distrair e esquecer o absurdo que é estar vivo em um universo completamente indiferente a nossa consciência errante.”
Ela pensa: “Não existe vida após a morte. É isso que me faz levantar todos os dias e tentar aproveitar ao máximo a vida, cada segundo, cada minuto de cada dia. Deus me livre, viver tudo isso eternamente? Ou então ir pro céu, ou reencarnar, ou o raio que o parta. Que sentido faria buscar as coisas que eu gosto na vida, se a vida é só um ensaio pro que a de vir? Ainda bem que um dia vamos todos morrer.
Ele pensa: “Preciso arrumar o que fazer. Não da mais pra ficar passando todo Sabado a noite em casa, bebendo e pensando na vida.”
Ela pensa: “Preciso mudar de vida. Não da mais pra ficar indo em festa todo Sabado a noite e ficar pensando na vida em vez de me divertir.”
Pena que nunca se conheceram.

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