Eu não guardo rancor, nem raiva, ele disse, olhando bem no
fundo dos seus olhos. Você nunca me deu o teu ódio, de forma que eu nem saberia
onde guardar.
Não. Eu guardo só o que você me deu. As minhas memórias sem
graça, que você, sem pedir licença, invadiu e melhorou. Os retratos mentais de
momentos mundanos, paisagens sem cor e vazias, que, sem nem pedir por favor,
você pintou por cima, com as cores vivas com que pintava tudo.
Não pense que eu estou triste, que você me machucou. Não é
você que está no poder. Não cabe a ti te tirar de mim. Saia pela porta quantas
vezes quiser, o barulho já não me incomoda mais. De dentro de mim, você só sai quando
eu quiser. Se eu quiser.
Você não está no poder. Vai, viaja o mundo, vai embora,
esquece de mim, te perde em outros abraços, ele dizia. Mas você vai continuar
pra sempre aqui, até quando eu não precisar mais de ti. E isso só cabe a mim
dizer.
Você me ofereceu a sua vida, e por isso, eu sou eternamente
grato. Obrigado por pintar a minha vida com as tuas cores. Aqui elas ficarão,
até o tempo desgastar a tinta e uma nova cor aparecer. Obrigado.
E guardou o porta-retratos de volta na gaveta.
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