Se eu fosse louco o dia ia
durar pouco.
O caminho pro trabalho ia
virar cenário da minha falta de lucidez. O metrô seria um trem, que só vai,
nunca vem. Pra longe, pra bem longe onde tem rios, florestas, gente bonita e
mais ninguém.
Ah, se eu fosse louco, ao
menos só um pouco.
Minha casa ia virar
palácio, tudo seria mais fácil. Os meus filmes de comédia favoritos,
multiplicados a vários infinitos, virariam um bufão, e meu estéreo seria um
músico fantasiado tocando um velho acordeão. As ligações para o meu celular iam
todas acabar. Quem quiser me procurar que venha em pessoa e traga junto a
própria corte e um vinho, ou arrume um pombo, pena e pergaminho.
Ser louco deve ser melhor
do que ser são.
Mas então...
E meu velho violão?
Viraria uma orquestra, com certeza. Ia ser uma beleza. Minha fender de madeira
em mão, eu de pé na minha cama transformada em palco de apresentação e as
paredes gritando como mil milhões de fãs disputando minha atenção.
Daria tudo pra perder um
pouco, só um pouco dessa minha entediante razão.
Meus dias seriam bem mais
divertidos. Segunda-feira eu ia ser pirata, terça dormir na mata e quarta
acordaria um diplomata.
Na quinta iria para
Irlanda, beber e arrumar briga. Sexta iria para a França com uma amiga. Sábado
e Domingo eu passaria na Roma Antiga.
Ah, eu queria apenas uma
vez, perder essa inflexível lucidez.
E fazer da poça d’água o
Nilo, de minha velha cama um berço de ouro onde cochilo. Fazer dos filmes realidade,
fazer reencontro da saudade, passado o que é presente e presente o que é ausente.
Ouvir música no barulho da avenida, chorar de prazer com cada ferida,
reescrever cada memória mal vivida e esquecer cada despedida.
Quando eu for louco e o
mundo são, e a chuva chover pra cima e ouro brotar do chão, a vida vai ser
melhor, eu sei. Quando o fogo apagar a água e o perdão for maior que a mágoa,
eu sei. Quando “não” virar “sim” e os livros começarem pelo fim, eu sei, eu
sei, o mundo vai ser um lugar melhor pra mim.
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