Hoje tirei o dia pra te tirar da minha vida. Ah, se fosse assim tão fácil, não é, meu amor?
Comecei com coisas banais. Aquela blusa velha, de dormir, que você esqueceu aqui. Joguei no lixo. Apertei ela contra o peito um pouco, confesso, fechei os olhos e lembrei um pouquinho de uma ou duas noites que acordei do teu lado, você usando esse trapo colorido, meio rasgado, o rosto meio amassado de sono, e eu ali, sorrindo que nem bobo, procurando no mundo inteiro que habita minha cabeça por alguma coisa mais bonita do que seu mau humor matinal.
Depois veio aquele disco que eu enchi com musicas nossas, lembra? Lembrei daquela noite que a gente deixou rolando e dançou na cozinha, ao redor da mesa de jantar, apoiando um a cabeça no ombro do outro, e esquecemos a carne no forno, e quando a gente foi ver a cozinha tava cheia de fumaça. Foi pro lixo também.
Tinha aquele pente seu, aqui no armário do meu banheiro, também. Esse foi difícil. Lembrei de você na ponta dos pés, eu de cara fechada, emburrado porque a gente ia chegar atrasado. E você ali, se equilibrando no pé direito, mexendo o cabelo de um lado para o outro, ignorando minhas frases baratas de galanteador, falando que você não fica mais linda do que já é.
E aquele vestido vermelho seu, que acabava no joelho, e eu te fiz jurar que só usaria uma vez comigo, na noite que você preferisse, e que essa noite seria a mais especial da nossa vida. Peguei ele com cuidado, levemente consciente de que ele nunca foi usado, e, enquanto colocava ele pro lado, pensei que era meio triste que essa noite mais especial da nossa vida, a gente nunca tenha encontrado. Tai uma coisa que eu gostaria de ter guardado.
Depois veio seu sorriso. Sentei numa velha poltrona aqui da nossa antiga casa, peguei aquela foto sua que eu adoro, que você sorri que nem boba, nem me lembro do porque, e fiquei olhando pro teu sorriso até ele perder o significado. Demorou. Comecei esquecendo o jeito como o canto dos seus olhos se enrugavam e eles quase fechavam, quase que dando espaço, envergonhados de dividir o mesmo rosto com um sorriso tão bonito. Passou.
Teu olhar deu trabalho, confesso. Nenhuma fotografia consegue capturar um olhar, tive que dilacerar aquele jeito de você me olhar, entre o ciúme e a timidez, sozinho, sem ajuda. Pensei nele, pensei em como você me olhava quando eu te surpreendia com alguma besteira romântica, quando você desconfiava de mim e fingia um ciúmes de piedade, só pra me deixar feliz. Pensei naquele primeiro olhar, o primeiro em que eu reconheci alguma coisa a mais do que amizade. E pensei no ultimo também, carregado de tristeza, de arrependimento e de culpa. Mandei todos eles embora.
Depois vieram as memórias. Fui destruindo uma a uma. Tive a ajuda de uma ou outra companhia, algumas garrafas e um pouco de lágrimas. Mas, depois disso tudo, acho que consegui jogar fora também todos aqueles momentos juntos, aquelas tardes bobas vendo filme bobo na televisão, aquele abraço em silencio, deitados na cama, rosto no rosto, só sendo feliz e nada mais. Até das brigas foi difícil se livrar. O jeito como a gente se desentendia, ficava emburrado, os dois pensando a mesma coisa por horas, até algum ter coragem de dizer: “deixa de besteira.”
Mas acho que o mais difícil de tudo eu deixei pro final. Acho que o mais difícil, afinal, foi tirar essa parte de você que ficou em mim. Que não são os olhares, os sorrisos, os pentes ou os discos. O mais difícil, o que eu temo que talvez nunca vá embora, é esse pedacinho dentro de mim que mudou de nome. Tem teu nome agora, age como você, fala como você. Não sei o que fazer com ele. As vezes nem sei quem esta no controle. Esse texto aqui, nem sei se sou eu ou você escrevendo.
Não sei o que fazer com ele. Ele é seu, logo tem que ir embora, junto com todo o resto. Mas ele é meu também. Ele vive em mim, e como é que eu posso me livrar de mim mesmo?
Acho que é isso que é o que esse pessoal aí pelas ruas chama de amor né? A gente nunca se deu ao trabalho de entender, porque estava muito preocupado sentindo. Mas agora, acho que posso dizer, com o máximo de certeza que jamais vou poder, que amor mesmo é esse pedacinho de “eu-você-eu-você” que ficou grudado, e que, pro bem ou pro mal, fez de mim um pouquinho mais como você.
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