domingo, 20 de julho de 2014

Do Outro Lado do Universo




“Sabe, eu gosto de pensar que um dia a gente se encontra de novo,”
Foi assim que ela começou a despedida, você acredita? Piegas como uma letra de música da Disney. E não falo nem das músicas principais, falo dos temas de “O Retorno de Jafar”, ou “O Reino de Simba”. Aqueles que ninguém viu, cujos nomes eu só conheço porque ela adorava tudo que era da Disney, e me fazia ver junto.
“...um dia, em algum lugar do universo.”
E o mesmo papinho de universo, de estrelas, galáxia. Taí uma coisa que eu não vou sentir falta. Essa babaquice de átomos, prótons, nêutrons, o cacete a quatrons. Papo chato.
“Porque, pensa comigo, amor...”
E me chama de amor. Pode, uma coisa dessas? Em pleno fim de namoro?
“Eu e você, nós somos átomos. Em essência, não somos? A matéria é composta de átomos, e nós somos matéria. Então eu e você somos átomos.”
Olha lá, falei que ia chegar no papo de átomos! Não passava uma semana sem falar nisso, a chata. E eu ouvia, o pior é isso.
“E o tempo é infinito, amor, apesar de o nosso não ter sido. E um dia você vai morrer, e eu também, e a Terra também.”
Sente o drama.
“E vão passar anos, décadas, séculos, milênios, e tudo o que valia a pena ser lembrado vai ser esquecido, porque não vai ter ninguém pra lembrar. Inclusive a nossa história.”
Vai vendo, vai vendo. Essa mulher é foda.
“A queda do muro de Berlim e o nosso primeiro beijo. O onze de setembro e nosso aniversário de namoro. A Mona Lisa e a nossa música favorita. Tudo vai morrer, e vai morrer duas vezes. Vai morrer porque vai deixar de existir, e vai morrer de novo porque ninguém vai lembrar que existiu. Nem eu. Nem você.”
E eu aqui, querendo acabar a carta logo pra ir jogar bola com os amigos. Ela sempre foi prolifixa. Profilixa. Proxilifica. Ah, foda-se, ela sempre falou pra caralho.
“Mas os nossos átomos vão continuar por aí. Os meus e os seus. E, sabe, eu gosto de pensar... Com o tempo sendo infinito como é, todos os átomos vão se juntar de todas as formas possíveis, infinitas vezes. E sim, isso quer dizer que em algum momento da história os átomos que compõe a sua cara vão se juntar com os átomos que compõe a bunda da Jennifer Lopez para formar, sei lá, um meteorito, mas o ponto não é esse.”
Engraçadinha.
“O ponto é que... Estatisticamente falando, um dia os seus átomos vão encontrar os meus de novo. Em algum lugar do universo, alguns bilhões de trilhões de anos no futuro. Todos os átomos que hoje fazem de você quem você é, e todos os que fazem de mim quem eu sou, um dia vão se juntar, em uma supernova, um planeta, uma pedra, qualquer coisa. Talvez uma estrela cadente no céu de um planeta estranho, em uma galáxia tão longe, mas tão longe que a gente nem sabe que existe ainda.
E ali, naqueles dois ou três segundos em que a gente vai voltar a existir juntos no mesmo espaço e tempo, eu gosto de pensar que a gente vai se reconhecer. Eu gosto de pensar que, contra todas as probabilidades, naqueles três segundos em que os meus átomos encontrarem os seus e se abraçarem e riscarem o céu desse qualquer lugar estranho do outro lado do universo, alguma voz, de algum lugar, vai sussurrar “ei... eu conheci você. Um dia. Um dia a gente foi feliz”, e tudo vai ser como era antes, pelo menos por um tempo.
E vai ficar tudo bem. Pra sempre. Porque nada se perde de verdade, tudo se transforma e volta e recomeça de onde parou. O universo sabe o que faz. Vê se fica bem, tá? Eu te amo. Não esquece do nosso encontro do outro lado do universo. Eu te amo.”
Falei? Fala pra cacete. Foda. Deixa eu ligar pros broder e falar que não vou, porque jogar bola com os olho inchado não rola.
Essa mulher é foda.

sábado, 19 de julho de 2014

Zen



-Papai, olha a casinha que eu fiz com Lego!
-Que bonita filha. Mas que pena, um dia ela deixar de existir, e você também, e todo o universo também. Tudo é transitório, minha filha, não faz sentido construir nada. Vai, desmonta a casinha, apesar de que... Agora nem faz diferença. O próprio ato de desmontar a casinha já constitui em si uma ação, uma tentativa de moldar o universo através da escolha. E, como a gente sabe, não existe escolha, né? É a coisa da ilusão do livre arbítrio. Então destrói ou não, não faz diferença, filhota. O importante é você não se apegar a casinha, entendeu? Porque, assim como a sua vida, a do papai e a da mamãe, ela é transitória, e um dia vai morrer. E quando a gente se apega aquilo que morre, acontece o que? Isso mesmo, a gente sofre. Que foi?
A Clarinha já subia as escadas pro quarto, abrindo o berreiro, quando a dona Odete reclamou – Puta que o pariu, Zé Carlos. – antes de ir atrás da filha.
Mas o Zé Carlos tinha virado zen, e queria mais é que tudo se fodesse.