O telefone tocou, e o Ricardo, com muito esforço, ergueu
o corpo do sofá e foi se arrastando, o edredom enrolado no pescoço feito capa
de espadachim, até a escrivaninha.
-Alô?
-ALO? NÃO DESLIGA, EU SOU VOCÊ NO FUTURO. VOCÊ PRECISA...
-Ah, vai tomar no cu.
Ricardo voltou pro sofá e mudou de canal, porque passar
domingo a tarde assistindo Eliana é foda, mesmo bêbado.
Mas no dia seguinte o telefone voltou. Ricardo largou as
batatas fritas requentadas no micro-ondas e se arrastou até o móvel.
-Alô?
-PELO AMOR DE DEUS, ME ESCUTA, EU TO TE LIGANDO DO
FUTURO, VOCÊ PRECISA....
*click. E Ricardo voltou para o sofá, porque ia começar o
Falha Nossa, no Vídeo Show, e é sempre engraçado assistir celebridade fingindo
que é gente de verdade.
No terceiro dia, ele já imaginava quem era. Interrompendo
as vídeo cacetadas e o pudim de leite de caixinha, aquele toque irritante.
Atendeu o telefone sem nem a cortesia do “alô”.
-Mano, me deixa em paz, pelo amor de...
-Ricardo?
-Ah. Oi mãe. Desculpa, pensei que era outra pessoa. Tudo
bom?
-Tudo certo. Escuta, Cado, um moço ligou aqui hoje mais
cedo, pedindo pra falar com você. Falou que era urgente, que ele era você no
futu...
*click.
Filho da puta. Acabaram as vídeo cacetadas.
No quarto dia Ricardo resolveu conversar. Era isso ou
tirar o telefone do gancho, e ele precisava do telefone pra pedir pizza.
-Alo.
-NÃO DESLIGA, NÃO DESLIGA.
-Não vou desligar.
-NÃO... Ah... Tá bom. Oi. Tudo bem?
-Fala cara.
-Eu sou você no futuro.
-Uhum.
-Escuta... Tenho que te falar um bagulho muito
importante.
A voz do outro lado era séria, e realmente parecia a sua.
Ricardo hesitou. Será? Será que podia mesmo...
-O que?
-É muito importante cara. Por favor, me escuta.
Será que, de alguma forma, o universo estava dando outra
chance para ele? Uma chance de tirar sua vida daquela rotina? De, de repente,
ligar para a Clara, tentar acertar as coisas, começar de novo? Conseguir o
emprego de volta, parar de ir dormir às cinco da manhã todo dia?
Será que Ricardo tinha agora a oportunidade de ver seu
futuro e fazer algo a respeito? Do outro lado daquela linha telefônica, poderia
estar a resposta que tiraria sua vida daquele ciclo de tédio, cerveja quente e
Cheetos? Uma luz, um guia, uma nova chance para começar, para ser de novo o
Cado, aquele menino da faculdade com um sorriso bonito e bom de papo. Aquele
menino, que agora não vai na reunião de dez anos de formado por vergonha da
barriga e da vida.
-Tô escutando. Fala.
-Tem um carro cor de gelo parado aí na sua rua?
Ricardo afastou o telefone do ouvido e ficou olhando para
o bocal. A voz do outro lado tentava conter o riso. Devagar, recolocou o
aparelho no gancho, e pensou que era engraçado que as crianças de hoje em dia
nem devem saber o que é “gancho” de telefone.
Pensou também que talvez fosse menos por causa da pizza e
mais por causa da Clara que ele não tirava o telefone do gancho.
E voltou para o sofá, porque o Ratinho já estava abrindo
o envelope de DNA e ele não queria perder.
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