AGORA TODO MUNDO CALA A BOCA.
Nana não costumava falar durante as reuniões de família.
Ficava quieta, no seu canto, as vezes sorria para algum comentário, abanava a
cabeça, concordando, mas raramente falava. Dessa vez falou. No meio da
discussão a respeito do novo reforço do Palmeiras, gritou:
-AGORA TODO MUNDO CALA A BOCA.
Nana olhou para o neto, Giovane, que segurava o garfo
congelado, a boca aberta.
-Gigio, escuta, tem uma coisa que você precisa saber.
-Mamãe...- Começou Odair, pai de Gigio, mas Nana
continuou.
-Ele precisa saber, Odair. Já faz quinze anos.
-Saber o que, vó? – Gigio colocara o garfo de volta no
prato, curioso para saber o que a família havia escondido dele desde que
nascera.
-Você não é filho do seus pais, Gigio.
-Mamãe, não! – Odair começou, mas Clara segurou a mão do
marido. –Talvez Nana esteja certa, Odair. Ele ia descobrir eventualmente.
-Como assim eu não sou filho dos meus pais?
-Quando você tinha poucos dias, foi encontrado em uma
lixeira perto de um hospital Gigio.
Silêncio na mesa. A família inteira evitava o olhar de
Giovane, que olhava para a avó sem compreender.
-Meus pais me encontraram na lixeira de um hospital?
-Não. Foi uma enfermeira que te encontrou. Ela cuidou de
você por seis meses, mas não tinha dinheiro para manter um filho, então, uma
assistente social te levou para um orfanato, Gigio. – Nana falava, enquanto
enchia outra taça de vinho.
-Vocês me adotaram de um orfanato? – Gigio perguntou,
quase gritando, olhando para os pais.
-Não, um velho cientista armênio te adotou, ele precisava
de um bebê para fazer experiências genéticas eugênicas. Você foi resgatado das
mãos dele por um policial alguns meses depois. – Clara disse, enquanto se
servia de mais batata.
-EU...O QUE? O VOVÔ ME SALVOU?
-Não, seu avô era militar, não policial. O policial te
vendeu para um circo no seu aniversário de um ano. – Odair tentou evitar os
olhos do filho enquanto falava.
-PARA UM CIRCO? EU, COMO...
-Um casal de malabaristas cuidou de você até o seu
aniversário de três anos, quando um jovem casal foi visitar o circo e ficou
comovido com aquele bebê, brincando num monte de estrume de elefante. – Clara
olhou para Odair sorrindo, enquanto dizia essas palavras.
-Vocês...Eram vocês?
-Não. – Começou Augusto, o tio – Era um casal de viciados
em crack. Eles te venderam por duzentos reais e um cachimbo usado.
-VOCÊS ME COMPRARAM? – Gigio gritou para os pais, ficando
em pé.
-Não, você foi comprado por uma empresa de desinfetantes
ilegal que usava gordura humana para fazer sabão. Por sorte, seu tio era fiscal
da vigilância sanitária na época e te encontrou.
-E – Continuou Augusto – Como eu sabia que a Clara não
podia ter filhos, conversei com ela e com o Odair e eles aceitaram te criar.
Silêncio na mesa. Nana serve-se de mais uma taça de
vinho. Gigio parece em estado de choque. Lágrimas correm por seus olhos, mas
ele não diz nada. De repente, se levanta e sai correndo para o quarto,
gritando.
Por algum tempo, ninguém diz nada. Aos poucos, a família
volta a comer. Após alguns minutos, o primo Cesar diz, de boca cheia – Quando a
gente conta que era brincadeira?
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