“Oi.”
A voz vinha de trás da porta do meu quarto. Era o terceiro chamado. Eu olhava fixamente para a maçaneta.
“Oi.”
Quatro. Eu morava sozinho. Eram quatro da manhã.
“Oi.”
Cinco. Eu hoje estou na casa dos trinta anos, noivo, para casar mês que vêm. Ninguém ainda desconfiou da minha plena felicidade. Nenhum fantasma do meu passado veio bater na porta.
“Oi.”
Seis. Quando eu era pequeno, eu queria ser cowboy. Depois jogador de futebol, depois roteirista de novela. Sou engenheiro.
“Oi.”
Sete. A maçaneta ainda me encara, e eu não me atrevo a desviar o olhar. Leve, quase que imperceptivelmente, ela começa a girar.
“Oi.”
Oito. Não faço a menor menção de ir em direção a porta. Eu sei o que me espera do outro lado, eu sei quem está lá. Eu não quero que ele entre.
“Oi.”
Nove. É agora. A maçaneta termina de girar. Ouço o rangido desagradável da porta, e ela começa a se mexer.
“Oi.”
Dez. Ele está aqui.
“Oi, Thomas. O que você está fazendo na minha casa?”
Ele não mudou nada. Sem me levantar da cama, me viro para o espelho. Nem deve me reconhecer mais.
“Você mudou.”
“Você não, Thomas.”
“Porque eu mudaria?”
Porque eu mudei, Thomas. Porque eu mudei e você foi embora.
“O que você quer aqui?”
“Eu quero saber como você está.” Ele se aproxima, bem devagar. Hesito. Escorrego um pouco para o lado na cama. “Posso me sentar?”
“Pode.”
Ele senta e me olha. Tem oito anos de idade, a mesma idade que eu tinha quando o conheci, a mais de 20 anos atrás.
“O que você quer, Thomas?”
“Você vai casar?”
Mas alguma coisa mudou. Ele não se veste mais de cowboy, nem de jogador de futebol. E fala de um jeito diferente também. Tem olhos tristes.
“Vou sim.” Eu finalmente junto forçar para olhar pra ele. Seus olhos tristes.
“Por quê?”
“Porque é isso que as pessoas fazem, Thomas, elas crescem e se casam.”
“Eu não cresci. Eu não me casei. Eu estou aqui.”
Alguma coisa crescia dentro de um. Não era exatamente raiva, não era exatamente tristeza.
“Você está. Posso ver isso.” Era uma sensação de injustiça. Uma sensação de traição.
“Você não é um cowboy. Nem um jogador de futebol. O que você faz?”
“Eu sou engenheiro.”
“Você nunca me disse que queria ser engenheiro. Você queria ser engenheiro?”
“Thomas, eu...”
“Porque você é engenheiro se você não queria ser engenheiro?”
“Eu não...” Não sei como, mas de repente eu estava de pé, os olhos vermelhos, olhando para ele. “VOCÊ FOI EMBORA. VOCÊ FOI EMBORA E ME DEIXOU AQUI. O QUE EU DEVERIA FAZER?”
Ele não levantou, nem demonstrou qualquer tipo de reação.
“Eu sei.”
“VOCÊ SABE? ISSO É TUDO QUE VOCÊ TEM PRA ME DIZER?”
“Tudo isso faz muito tempo, e eu sinto muito. Mas, se você parar pra pensar, eu só fui embora porque você quis que eu fosse embora.”
“EU QUIS? EU QUIS? COMO EU IA SABER? EU ERA UMA CRIANÇA, THOMAS! UMA CRIANÇA! EU SÓ TINHA VOCÊ, E VOCÊ SÓ TINHA EU. E NÃO IMPORTAVA O RESTO DE TUDO, PORQUE A GENTE SEMPRE IA ESTAR JUNTO!”
“As pessoas crescem. Elas não tem mais tempo para os amigos de infância. Especialmente os imaginários.”
Fiquei olhando para ele. De repente, me sentei. Olhei para minhas próprias pernas e comecei a chorar.
“O que foi?”
Ele encostou a mão em meu ombro.
“Eu achei que a vida fosse outra coisa. Eu achei que, quando a gente crescesse, a gente não ia mais precisar imaginar uma vida melhor, porque a gente ia conquistar uma vida melhor.”
Ficamos ali, um bom tempo, sentados.
“Eu sei, eu sei...”
Ele me olhou com ternura e fechou os olhos, e eu entendi.
Não sei quanto tempo se passou, mas ele se levantou em algum momento e segurou minha mão.
“Eu sinto muito. Por todo esse tempo.”
Eu balancei a cabeça.
“Bom...Até...”
Levantei a cabeça, ele estava com a mão na maçaneta.
“Thomas.”
“Sim?” Ele parou, de costas para mim.
“Você não pode ficar? Só mais um pouco?”
Lentamente, ele virou a cabeça e eu pude ver seus olhos vermelhos, marejados.
Depois se virou e fechou a porta.
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