Sozinha no seu pequeno apartamento, Sophia ouvia musica. Não era nenhuma musica que conhecia, sequer era ela que tinha colocado a musica para tocar. Não, a musica vinha de longe, de um apartamento vizinho, uma pequena janela lá no alto, no ultimo andar do prédio ao lado.
Um inconveniente, claro. Algum vizinho barulhento e sem consideração, pois já passava de meia-noite. Tudo extremamente desconfortável, não fosse por um pequeno detalhe.
A musica era linda.
Já não era a primeira nem a segunda vez que a musica invadia a casa e a vida de Sophia. Noite após noite, desde que se mudou para o pequeno apartamento na cidade grande, a musica começava, sempre no mesmo horário, sempre de madrugada. E sempre linda.
E, como sempre acontece com as almas que vivem de ilusão, Sophia de pôs a sonhar. Sonhava com o homem (seria uma mulher? Na cabeça de Sophia era um homem.) que ouvia aquela musica. Sonhava que ele tocava a musica só pra ela. Cada dia uma melodia diferente, sempre emocionante, sempre linda.
É, ele tocava pra ela, Sophia tinha certeza. Era um homem sério, um pouco mais velho, moreno. Se vestia bem, estava sempre sorrindo, mas por dentro era solitário. Passou por alguns maus momentos na sua vida amorosa e decidiu se afastar por completo de seus sentimentos. Passava os dias sozinho em casa, ouvindo musica. Escolhendo musicas para Sophia.
Noite após noite o homem se sentava entre seus discos e escolhia uma canção para Sophia, sempre no mesmo horário. E sabia que Sophia estava lá, a espera, na janela, ansiando por ouvir sua declaração de amor em escalas.
Sim, porque era uma declaração de amor, Sophia estava convencida.
Uma noite, Sophia percebeu movimento na janela de seu misterioso homem das musicas. Lá no alto, olhando o mundo através de sua pequena janela, uma silhueta masculina se apoiou na janela, recortada pela luz amarela que vinha do apartamento.
Era ele.
Sophia soube então que ele era tudo aquilo que ela sonhava. E como sonhava com ele! Noite após noite, sempre que ouvia a musica, Sophia se imaginava dançando com ele, conversando, fazendo amor ao som das lindas musicas que ele escolhia, só para ela, só para ela.
E resolveu tomar uma atitude.
Foi até o prédio do homem misterioso, contou as janelas e subiu até seu apartamento. Bateu na porta. Bateu mais uma vez. Na terceira batida, ouviu um barulho vindo do apartamento. E foi tomada por um estranho choque de realidade: Aquele homem não escolhia musicas para ela. Aquele homem sequer sabia que ela existia. Aquele homem, muito provavelmente, nem gostava de dançar! Não era moreno, não se vestia bem e não carregava um ar de misteriosa melancolia. Era só um homem que gostava de ouvir musica. Não. Sophia tinha um homem perfeitamente bom. O homem misterioso, que se vestia bem e era melancólico, e que escolhia as musicas só para ela. Porque afugentá-lo, trocar este maravilhoso homem pelo homem atrás daquela porta, de quem Sophia não sabia nada a respeito? Não. Sophia amava o homem misterioso. “Não, não quero te conhecer, homem da musica, do apartamento 142. Você vai mandar meu homem misterioso embora, e eu amo meu homem misterioso. Não, não vou deixar você matar meu sonho. Não enquanto ele for mais bonito do que sua realidade. E que isso valha para tudo na minha vida.”
Fechou a porta do elevador bem a tempo de ouvir o trinco se abrindo lá no fim do corredor.
Naquela noite, dormiu feliz, com o homem misterioso.
E Tomás, o homem do 142, um pequeno e atarracado homem que vinha perdendo seu cabelo já a algum tempo, abriu a porta e não viu ninguém do outro lado. Olhou para um lado, olhou para o outro, deu de ombros e fechou a porta, sem entender, disposto a não pensar mais naquele estranho acontecimento. Mas, naquela noite, sonhou com uma linda mulher que bateu na sua porta num belo dia de inverno, pronta para levar ele para bem longe de uma vida sem sabor e sem amor, onde a única coisa que realmente valia a pena era a musica que ouvia ao fim do dia.
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